Sabe-se que um melhor tratamento à matéria das cautelares patrimoniais penais é exigido há algum tempo. Sobretudo com o modus operandi consagrado na operação Lava Jato (pretensão de reparação de vultuosos danos patrimoniais às vítimas de crimes contra a Administração Pública), algumas controvérsias passaram a ocupar as reflexões doutrinárias e alçaram o tema à primeira prateleira dentre as discussões fundamentais do Direito Penal Econômico.
Malgrado a proposição de outros questionamentos, alguns destes assumiram maior protagonismo: pode o periculum in mora ser presumido?i Os Tribunais podem invocar um “poder geral de cautela” para fundamentar medidas cautelares patrimoniais na seara criminal?ii A responsabilidade patrimonial solidária está de acordo com os princípios do Direito e do Processo Penal?iii As medidas assecuratórias podem ser decretadas desde o inquérito policial até o trânsito em julgado da ação penal independentemente da duração do processo?
Essas foram algumas das indagações – e críticas – já promovidas pela doutrina jurídico-penal brasileira. Como bem se nota, todas as perguntas estão em alguma medida relacionadas às características gerais das tutelas cautelares, notadamente: probabilidade de existência do direito, proporcionalidade e provisoriedadeiv.
E foi no contexto da última característica supramencionada que o STJ, no dia 11/03/22, pavimentou caminho promissor em direção à evolução do entendimento jurisprudencial na análise das cautelares patrimoniais em esfera penal. No julgamento dos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 1.792.372/PR, a Corte Cidadã firmou a compreensão de que a imposição de medidas cautelares patrimoniais, acessórias à ação penal, está condicionada à duração razoável do processo principal.
Na oportunidade, o STJ apreciou pedido de readequação de medidas cautelares patrimoniais impostas a fim de garantir o resultado de uma ação penal cuja denúncia, após anterior julgamento por parte do Tribunal da Cidadania, fora declarada como nula pelo STF. Em vista disso, o Superior Tribunal de Justiça julgou novos embargos declaratórios e, diante da decisão prolatada pela Suprema Corte, entendeu inexistir “mínima previsão de resolução do processo principal” porquanto este retornava à fase pré-processual.
A partir da conclusão acima, a Corte Cidadã destacou duas circunstâncias relacionadas às cautelares reais: primeiramente, que tais medidas assecuratórias eram acessórias à ação penal; em segundo lugar, que por serem acessórias, as constrições patrimoniais eram igualmente afetadas pela duração razoável do processo principal.
Quanto à concepção de que as medidas cautelares são acessórias à ação penal, revela-se desnecessário tecer maiores esclarecimentos. Parece bastante óbvio que, se uma medida é imposta a fim de garantir o resultado de outra, o desenvolvimento desta condiciona a necessidade daquela. Isto é, se a ação penal cujo resultado de eventual condenação se busca garantir for extinta, não há que se falar em manutenção das cautelares decretadas somente para assegurar a eficácia dessa eventual condenação que, após a extinção da ação penal, tornou-se impossível.
Nesse sentido, o STJ deu efeito ao que costuma ser classificado como “acessoriedade” das medidas cautelares (tanto pessoais quanto reais). Tal característica tem por norte, obviamente, a ideia de que “o provimento cautelar não é um fim em si mesmo”v, mas sim “um mecanismo de um provimento final, no qual definitivamente será aplicada a pena, ou declarada a inocência do acusado”vi.
A mesma desnecessidade de maiores esclarecimentos não ocorre quando o tema é a revogação das cautelares por sua excessiva duração. Isso porque a anulação da decisão de recebimento da denúncia não implica na extinção da ação penal e, por conseguinte, no interesse em garantir o resultado de eventual édito condenatório. Logo, para afastar o levantamento das constrições patrimoniais por sua demasiada duração, poderia ser invocada a persistência da probabilidade de condenação, a qual, em tese, não seria modificada pelo transcorrer do tempo.
O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, pareceu dar um recado patente: as medidas cautelares não podem recair sobre os acusados por tempo indefinido. E isso por quê? Porque o artigo 5º, inciso LXXVII, da Constituição Federal, garante a todos a duração razoável do processo.
Dessa forma, partindo do brocardo de que o acessório segue a sorte do principal, a percepção de que a duração irrazoável da ação penal afronta a garantia da celeridade em relação às constrições patrimoniais parece dar efeito à provisoriedade e à proporcionalidade inerentes a essa espécie de medidas cautelares.
De um lado, cumpre a provisoriedade porquanto aprecia a ocorrência (ou, no caso paradigmático em questão, a não ocorrência) de uma “temporariedade condicionada à verificação de uma futura situação”vii. Por outro lado, satisfaz a proporcionalidade porque, até mesmo por ser uma consequência lógica da provisoriedadeviii, impede que a duração e/ou a execução da medida seja mais severa do que a própria pena.
Com o entendimento firmado no julgado paradigma, o Superior Tribunal de Justiça colocou um freio ao que pode ser considerada uma execução antecipada de pena pecuniária: decreta-se o arresto ou o sequestro de bens a fim de garantir a reparação do dano ou o perdimento dos bens supostamente ilícitos ainda na investigação preliminar, perdurando a medida até o trânsito em julgado da sentença. Pelo menos agora esse trânsito em julgado precisa ser célere e a anulação do processo, que implicará no afastamento de tal celeridade, a princípio implicará na revogação das medidas cautelares patrimoniais penais por respeito à razoabilidade.
Em tempos de cólera e de frequentes críticas às decisões dos Tribunais Superiores, é preciso destacar o que há de bom. E no acórdão analisado, andou bem o STJ ao firmar: medidas cautelares patrimoniais não podem durar indefinidamente. Cabe às Cortes, agora, oferecer melhores repostas aos demais questionamentos anunciados no início do texto.
i LIMA, Gabriel Henrique de Halama; NUNES, Pedro Henrique. Da (im)prescindibilidade do periculum in mora nas medidas cautelares patrimoniais no processo penal. Migalhas, Informação Privilegiada, Curitiba, 14 de set. de 2021. Disponível aqui. Acesso em: 02 de jul. de 2022.
ii LUCCHESI, Guilherme Brenner. Por uma teoria das medidas cautelares patrimoniais no processo penal. Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico, Curitiba, 8 de abr. de 2021. Disponível aqui. Acesso em: 02 de jul. de 2022.
iii LUCCHESI, Guilherme Brenner; ZONTA, Ivan Navarro. Sequestro dos proventos do crime: limites à solidariedade na decretação de medidas assecuratórias. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 6, n. 2, p. 735-764, mai./ago. 2020.
iv Detalhadamente em: BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1141 e ss.
v BADARÓ, Gustavo Henrique. Op., cit., p. 1143.
vi Ibidem.
vii FOSCHINI, Gaetano. Sistema del diritto processual penal. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1965, v.1, p. 504.
viii BADARÓ, Gustavo Henrique. Op., cit., p. 1.148