Informação privilegiada

Duração razoável do processo como requisito para manutenção de medidas cautelares patrimoniais

Leandro Oss-Emer fala da duração razoável do processo como requisito para manutenção de medidas cautelares patrimoniais.

12/7/2022

Sabe-se que um melhor tratamento à matéria das cautelares patrimoniais penais é exigido há algum tempo. Sobretudo com o modus operandi consagrado na operação Lava Jato (pretensão de reparação de vultuosos danos patrimoniais às vítimas de crimes contra a Administração Pública), algumas controvérsias passaram a ocupar as reflexões doutrinárias e alçaram o tema à primeira prateleira dentre as discussões fundamentais do Direito Penal Econômico.

Malgrado a proposição de outros questionamentos, alguns destes assumiram maior protagonismo: pode o periculum in mora ser presumido?i Os Tribunais podem invocar um “poder geral de cautela” para fundamentar medidas cautelares patrimoniais na seara criminal?ii A responsabilidade patrimonial solidária está de acordo com os princípios do Direito e do Processo Penal?iii As medidas assecuratórias podem ser decretadas desde o inquérito policial até o trânsito em julgado da ação penal independentemente da duração do processo?

Essas foram algumas das indagações – e críticas – já promovidas pela doutrina jurídico-penal brasileira. Como bem se nota, todas as perguntas estão em alguma medida relacionadas às características gerais das tutelas cautelares, notadamente: probabilidade de existência do direito, proporcionalidade e provisoriedadeiv.

E foi no contexto da última característica supramencionada que o STJ, no dia 11/03/22, pavimentou caminho promissor em direção à evolução do entendimento jurisprudencial na análise das cautelares patrimoniais em esfera penal. No julgamento dos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp 1.792.372/PR, a Corte Cidadã firmou a compreensão de que a imposição de medidas cautelares patrimoniais, acessórias à ação penal, está condicionada à duração razoável do processo principal.

Na oportunidade, o STJ apreciou pedido de readequação de medidas cautelares patrimoniais impostas a fim de garantir o resultado de uma ação penal cuja denúncia, após anterior julgamento por parte do Tribunal da Cidadania, fora declarada como nula pelo STF. Em vista disso, o Superior Tribunal de Justiça julgou novos embargos declaratórios e, diante da decisão prolatada pela Suprema Corte, entendeu inexistir “mínima previsão de resolução do processo principal” porquanto este retornava à fase pré-processual.

A partir da conclusão acima, a Corte Cidadã destacou duas circunstâncias relacionadas às cautelares reais: primeiramente, que tais medidas assecuratórias eram acessórias à ação penal; em segundo lugar, que por serem acessórias, as constrições patrimoniais eram igualmente afetadas pela duração razoável do processo principal.

Quanto à concepção de que as medidas cautelares são acessórias à ação penal, revela-se desnecessário tecer maiores esclarecimentos. Parece bastante óbvio que, se uma medida é imposta a fim de garantir o resultado de outra, o desenvolvimento desta condiciona a necessidade daquela. Isto é, se a ação penal cujo resultado de eventual condenação se busca garantir for extinta, não há que se falar em manutenção das cautelares decretadas somente para assegurar a eficácia dessa eventual condenação que, após a extinção da ação penal, tornou-se impossível.

Nesse sentido, o STJ deu efeito ao que costuma ser classificado como “acessoriedade” das medidas cautelares (tanto pessoais quanto reais). Tal característica tem por norte, obviamente, a ideia de que “o provimento cautelar não é um fim em si mesmo”v, mas sim “um mecanismo de um provimento final, no qual definitivamente será aplicada a pena, ou declarada a inocência do acusado”vi. 

A mesma desnecessidade de maiores esclarecimentos não ocorre quando o tema é a revogação das cautelares por sua excessiva duração. Isso porque a anulação da decisão de recebimento da denúncia não implica na extinção da ação penal e, por conseguinte, no interesse em garantir o resultado de eventual édito condenatório. Logo, para afastar o levantamento das constrições patrimoniais por sua demasiada duração, poderia ser invocada a persistência da probabilidade de condenação, a qual, em tese, não seria modificada pelo transcorrer do tempo.

O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, pareceu dar um recado patente: as medidas cautelares não podem recair sobre os acusados por tempo indefinido. E isso por quê? Porque o artigo 5º, inciso LXXVII, da Constituição Federal, garante a todos a duração razoável do processo.

Dessa forma, partindo do brocardo de que o acessório segue a sorte do principal, a percepção de que a duração irrazoável da ação penal afronta a garantia da celeridade em relação às constrições patrimoniais parece dar efeito à provisoriedade e à proporcionalidade inerentes a essa espécie de medidas cautelares.

De um lado, cumpre a provisoriedade porquanto aprecia a ocorrência (ou, no caso paradigmático em questão, a não ocorrência) de uma “temporariedade condicionada à verificação de uma futura situação”vii. Por outro lado, satisfaz a proporcionalidade porque, até mesmo por ser uma consequência lógica da provisoriedadeviii, impede que a duração e/ou a execução da medida seja mais severa do que a própria pena.

Com o entendimento firmado no julgado paradigma, o Superior Tribunal de Justiça colocou um freio ao que pode ser considerada uma execução antecipada de pena pecuniária: decreta-se o arresto ou o sequestro de bens a fim de garantir a reparação do dano ou o perdimento dos bens supostamente ilícitos ainda na investigação preliminar, perdurando a medida até o trânsito em julgado da sentença. Pelo menos agora esse trânsito em julgado precisa ser célere e a anulação do processo, que implicará no afastamento de tal celeridade, a princípio implicará na revogação das medidas cautelares patrimoniais penais por respeito à razoabilidade.

Em tempos de cólera e de frequentes críticas às decisões dos Tribunais Superiores, é preciso destacar o que há de bom. E no acórdão analisado, andou bem o STJ ao firmar: medidas cautelares patrimoniais não podem durar indefinidamente. Cabe às Cortes, agora, oferecer melhores repostas aos demais questionamentos anunciados no início do texto.

__________________

i LIMA, Gabriel Henrique de Halama; NUNES, Pedro Henrique. Da (im)prescindibilidade do periculum in mora nas medidas cautelares patrimoniais no processo penal. Migalhas, Informação Privilegiada, Curitiba, 14 de set. de 2021. Disponível aqui. Acesso em: 02 de jul. de 2022.

ii LUCCHESI, Guilherme Brenner. Por uma teoria das medidas cautelares patrimoniais no processo penal. Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico, Curitiba, 8 de abr. de 2021. Disponível aqui. Acesso em: 02 de jul. de 2022.

iii LUCCHESI, Guilherme Brenner; ZONTA, Ivan Navarro. Sequestro dos proventos do crime: limites à solidariedade na decretação de medidas assecuratórias. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 6, n. 2, p. 735-764, mai./ago. 2020.

iv Detalhadamente em: BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1141 e ss.

v BADARÓ, Gustavo Henrique. Op., cit., p. 1143.

vi Ibidem.

vii FOSCHINI, Gaetano. Sistema del diritto processual penal. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1965, v.1, p. 504.

viii BADARÓ, Gustavo Henrique. Op., cit., p. 1.148

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunistas

Guilherme Brenner Lucchesi é sócio da Lucchesi Advocacia. Professor da Faculdade de Direito da UFPR. Doutor em Direito pela UFPR. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico.

Mariana Beatriz dos Santos Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Direito e Processo Penal Econômico - NUPPE UFPR.