O Direito Penal Econômico vem ganhando protagonismo nos últimos anos e, mais do que isso, vem proporcionando o fenômeno intitulado patrimonialização no processo criminal.1 É nesse cenário que se vislumbra o crescimento dos pleitos de constrição patrimonial no bojo do Processo Penal brasileiro, sobretudo das pessoas jurídicas, notadamente no âmbito de grandes Operações deflagradas pelos órgãos investigativos.
Como se bem sabe, as pessoas jurídicas, no Brasil, podem responder criminalmente apenas e tão somente nas hipóteses de crimes ambientais. Assim, em um primeiro olhar, poder-se-ia concluir que o patrimônio de uma pessoa jurídica só poderia ser arrestado e/ou sequestrado nessas ocasiões.
Ocorre, no entanto, que não é esse o entendimento que vem sendo construído a respeito do tema pelo Superior Tribunal de Justiça, que compreende ser possível constringir o patrimônio da pessoa jurídica, independentemente de se tratar de crime ambiental ou não. A saber: “não há necessidade de que a pessoa jurídica tenha sido denunciada por crime para que lhe sejam impostas medidas cautelares tendentes a recuperar o proveito do crime, a ressarcir o dano por ele causado ou mesmo a prevenir a continuação do cometimento de delitos”.2
Porém, a questão do bloqueio patrimonial de pessoas jurídicas não pode ser analisada sob um olhar simplista, sob pena de desconsiderar-se por absoluto o manto da pessoa jurídica - que assegura a separação patrimonial de pessoas físicas e jurídicas.
Nesse sentido, é importante rememorar uma importante distinção entre as medidas cautelares de sequestro e arresto: consoante disciplina o artigo 125 do Código de Processo Penal, o sequestro recai sobre o produto do crime, ainda que ele esteja sob a posse de terceiros. Ou seja, tem por escopo assegurar a perda de bens e valores do condenado com o advir da sentença penal condenatória. Visa, portanto, operacionalizar a disciplina do artigo 91, II do Código Penal, que prevê como efeito da condenação a perda dos instrumentos ou produtos do crime.3
No arresto, por outro lado, tem-se como objetivo acautelar o patrimônio do investigado para o adimplemento de custas e emolumentos processuais, bem como assegurar o ressarcimento da vítima em caso de fixação de indenização mínima em seu favor (art. 387, IV do Código de Processo Penal). Ou seja: pode recair sobre o bem lícito do acusado, sem prejuízo de limitar-se, tal qual no arresto, ao produto do crime (ou seu equivalente). Confere, portanto, efetividade ao art. 91, I do Código Penal, que prevê ser efeito da condenação tornar certa a obrigação de indenizar.
Dito isso, evidencia-se que apenas e tão somente o sequestro pode recair sobre os bens da pessoa jurídica: eis porque, conforme sobredito, essa medida assecuratória recai sobre o produto do crime, que eventualmente pode estar imiscuído na esfera do patrimônio de outrem – inclusive da pessoa jurídica. Assim, considerando que o artigo 125 admite a possibilidade de acautelar o produto de crime que está inclusive sob a posse de terceiro, denota-se que poderá recair sobre a pessoa jurídica. Basta que o órgão acusador faça prova do nexo causal – ou seja, demonstre que o bem que se pretende sequestrar foi adquirido com o produto do crime - no pleito cautelar.
Por outro lado, conclusão distinta se tem na situação do arresto. Conforme visto, a medida cautelar do arresto poderá recair sobre o patrimônio lícito do acusado e volta-se ao adimplemento de obrigações acessórias à condenação. São, portanto, obrigações personalíssimas que recaem única e exclusivamente a pessoa do acusado. Assim, não é possível - e é atécnico - que recaia sobre o patrimônio daquele que não é respondante da Ação Penal.4 Se houver a utilização dos bens para adimplemento de indenizações, pena de multa e demais emolumentos processuais, haverá uma evidente hipótese de incidência da pena para além do condenado, o que é constitucionalmente vedado.
Acaso o Ministério Público faça prova de que o acusado se valeu da pessoa jurídica para blindar o seu patrimônio, vem surgindo o entendimento acerca da possibilidade de aplicação do incidente de desconsideração inversa da personalidade jurídica (art. 133 e seguintes do Código de Processo Civil). Faz-se necessário, para tanto, demonstrar a confusão patrimonial ou do desvio de finalidade da empresa (art. 50 do Código Civil). Neste sentido foi o voto do Ministro Olindo Menezes - desembargador convocado do TRF da 1ª Região - no julgamento do RMS 61.084 do STJ. Em seu voto, dissertou que:
Tendo a empresa personalidade jurídica e patrimônio próprios, independentemente dos seus sócios, não parece defensável, e sem que tenha havido a desconsideração inversa da personalidade jurídica (afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio), que tenha a sua sobrevivência posta em risco e mesmo comprometida — deixando de pagar empregados, tributos, fornecedores etc.—, em razão de crimes dados como perpetrados pelo seu sócio, e por conduta alheia ao seu objeto social, em franca violação do exercício da atividade econômica, fundada na livre iniciativa (art. 170 - CF) e, no limite, do direito de propriedade, que tem a proteção constitucional (art. 5º, caput e inciso XXII).
O grande problema que a prática nos desvela é que, muitas vezes, não se tem o cuidado técnico em realizar a separação do que é arresto e sequestro. Não raras vezes o pleito de constrição patrimonial é realizado de forma genérica, sem a indicação do que efetivamente é produto do crime e do que efetivamente servirá para adimplemento de questões processuais, sobretudo no bojo do Processo Penal que apura delitos econômicos. Eis, então, a necessidade de constante aprofundamento do estudo cautelares patrimoniais no Processo Penal, para o fim de coibir celeumas como a exposta nas linhas acima.
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1 LUCCHESI, Guilherme Brenner; ZONTA, Ivan Navarro. Sequestro dos proventos do crime: limites à solidariedade na decretação de medidas assecuratórias. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 6, n. 2, p. 735-764, maio/ago. 2020. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v6i2.353.
2 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. RMS nº 60.818/SP da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Brasília, DF, 20 de ago. 2019.
3 BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. 6 ed (ebook). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
4 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. O bloqueio de bens de empresas em crimes de lavagem de dinheiro. Consultor Jurídico, São Paulo, 05 de ago. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-ago-05/direito-defesa-bloqueio-bens-empresas-crimes-lavagem-dinheiro. Acesso em 31 de mar. 2022.