No mês passado, foi publicada a lei 14.620/2023, entre outras coisas, acrescentando o § 4º ao art. 784 do Código de Processo Civil (CPC), o qual dispõe que "nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura".
A alteração legislativa evidencia a iniciativa do legislador de se alinhar à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, no julgamento do REsp 1.495.920/DF, de relatoria do saudoso ministro Paulo de Tarso Sanseverino, considerou ser título executivo extrajudicial o contrato eletrônico de mútuo sem a assinatura por duas testemunhas, mas celebrado com a utilização de certificados emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil.
Porém, a questão relacionada à necessidade de testemunhas é apenas uma entre tantas dúvidas derivadas da assinatura eletrônica de documentos.
Embora possua tratamento legal há mais de 20 anos – de início regulamentada pela MP 2.200-2/2000, que instituiu a ICP-Brasil e definiu regras para a validade de documentos eletrônicos públicos e particulares, posteriormente complementada pela lei 14.063/2020, que dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos – a validade da assinatura digital ainda gera controvérsias, tanto na esfera jurídica, quanto no campo prático.
Isso porque, o art. 4º da lei 14.063 criou três modalidades de assinatura eletrônica, com diferentes níveis de confiança sobre a identidade e a manifestação de vontade de seu titular e, por conseguinte, com a produção de diferentes efeitos jurídicos:
- simples: permite identificar o seu signatário e anexa ou associa dados a outros dados em formato eletrônico do signatário;
- avançada: utiliza certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento; e
- qualificada: utiliza certificados produzidos com a utilização do processo disponibilizado pela ICP-Brasil.
A assinatura eletrônica qualificada é a que possui nível mais elevado de confiabilidade. De acordo com o art. 10, § 1º, da MP 2.200-2, assinaturas que utilizem certificados emitidos pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiras em relação aos signatários, na forma do art. 219 do Código Civil, segundo o qual "as declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários". Nesse caso, não há dúvida sobre a exequibilidade do documento, aceito, de uma forma geral, tanto para fins de execução quanto para registro ou protesto.
No outro extremo, temos a assinatura simples, de baixa confiabilidade, por ser mera representação gráfica ou cópia digitalizada da firma original. Há, inclusive, precedentes do STJ que não reconhecem a validade ou limitam os efeitos jurídicos de assinaturas simples (AgInt nos EAREsp 1.555.548/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Corte Especial, j. 02/08/2021 e AgInt no AREsp 1.606.689/PA, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, j. 15/03/2021).
As maiores controvérsias, contudo, surgem na utilização da assinatura avançada, que, nos termos do art. 10, § 2º, da MP 2.200-2, se dá mediante a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade que não com base em certificados emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.
A utilização da assinatura avançada cresce substancialmente, disseminada por provedores de assinatura – plataformas de gerenciamento e assinatura de documentos virtuais, tais como DocuSign, ClickSign, D4Sign e AdobeSign –, mas nem sempre as partes adotam os cuidados necessários para que seja preservada a sua validade e/ou a exequibilidade do título.
Além da não inclusão expressa nos documentos da ressalva do § 2º do art. 10 da MP 2.200-2, no sentido que as partes aceitam a assinatura eletrônica sem o uso de certificado emitido pela ICP-Brasil, é comum a formação de contratos "híbridos", ou seja, firmados com diferentes modalidades de assinatura, por vezes até mesmo em parte físicas, com a utilização de diferentes plataformas ou sem preservar a cadeia de custódia.
Nesses casos, há jurisprudência, por exemplo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, reconhecendo a inexequibilidade do documento e determinando a conversão da ação executiva em cobrança, por ausência de título regular (AI 2289091-25.2019.8.26.0000, Rel. Des. Marino Neto, 11ª Câmara de Direito Privado, j. 11/4/2020; AI 2289089-55.2019.8.26.0000, Rel. Des. Achile Alesina, 14ª Câmara de Direito Privado, j. em 23/1/2020).
Não bastasse, existem situações em que, mesmo observados todos os requisitos, determinados órgãos ainda demonstram resistência em conferir exequibilidade a documentos celebrados com assinaturas avançadas. É o caso, por exemplo, dos cartórios de protesto, que, de uma maneira geral, aceitam apenas títulos eletrônicos firmados com assinaturas qualificadas.
Aliás, nem mesmo a questão atinente à necessidade de assinatura por duas testemunhas se mostra totalmente superada, pois, devido à redação genérica dada ao recém criado § 4º ao art. 784 do CPC, fica a dúvida se a dispensa vale apenas para documentos com assinaturas qualificadas, ou se abrange também os títulos com assinaturas avançadas.
Dessa forma, embora se verifique a tendência de aceitação cada vez maior de documentos virtuais, com a mitigação das exigências de validade e exequibilidade atreladas à utilização de assinaturas eletrônicas, até que as práticas estejam mais consolidadas, especialmente no âmbito das repartições públicas, recomenda-se o máximo de cuidado na celebração de instrumentos dessa natureza, sobretudo visando a preservação da sua condição de título executivo extrajudicial. Por enquanto, na dúvida, o ideal é seguir com a utilização de assinaturas qualificadas ou, na impossibilidade, com as tradicionais assinaturas físicas, especialmente nas hipóteses em que se queira garantir a condição de título executivo.