Em nossa última coluna, falamos das dificuldades e da morosidade do trâmite do PL 2.630/20201, que visa a combater a disseminação de fake news na internet, sobretudo nas redes sociais.
A notícia da compra do microblog Twitter pelo bilionário sul-africano-canadense naturalizado americano, Elon Musk, por impressionantes US$44 bilhões – cerca de R$220 bilhões – promete trazer desdobramentos para esse tema, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.
Caso a transação seja aprovada pelas autoridades regulatórias norte-americanas, o Twitter deixará de ser uma companhia aberta com ações negociadas na bolsa de valores, para se tornar uma empresa de dono único, elevando Musk à condição de protagonista das discussões envolvendo redes sociais e liberdade de expressão.
O magnata, fundador da montadora de veículos elétricos Tesla e da fabricante de sistemas de transporte espacial SpaceX, parece ter percebido a importância estratégica de controlar uma mídia social, um veículo de comunicação em massa, tal como fez seu desafeto e também milionário, Jeff Bezos, fundador da empresa de tecnologia (e-commerce, computação em nuvem, streaming e inteligência artificial) Amazon, que em 2013 comprou o jornal diário Washington Post pela "bagatela" – se comparado a preço pago por Musk pelo Twitter – de US$250 milhões.
Embora suas postagens não revelem claramente suas ideologias, no comunicado que sucedeu o acordo, Musk, que antes mesmo da aquisição já manifestara sua discordância com as políticas de moderação do Twitter, defendeu a liberdade de expressão, chegando a cogitar a liberação do chamado blue badge – selo de verificação do microblog que indica a autenticidade de contas de interesse público – para todos os usuários, posicionamentos que parte boa do mercado e dos especialistas têm visto com certa desconfiança.
Por outro lado, Musk mencionou a possibilidade de proibir a utilização de robôs pelo Twitter, o que, em princípio, favorece o debate público, estando em linha inclusive com o PL 2.630/2020, que obriga a criação de mecanismos que informem o uso de sistemas automatizados para o gerenciamento de contas.
Apesar do alvoroço causado pela compra do Twitter por Musk, não se trata propriamente de uma novidade na seara das big techs. Embora não seja proprietário único do Facebook, WhatsApp e Instagram, Mark Zuckerberg é presidente, CEO e acionista controlador da Meta Platforms, empresa que concentra essas três plataformas.
Seja como for, o movimento de Musk tende a elevar a pressão por uma maior regulação dos monopólios digitais e das mídias sociais, no combate às consequências negativas dessa concentração de poder na internet.
Trata-se de pauta que já é destaque em todo o mundo, do que são exemplos a proposta de edição do denominado Digital Services Act, regulamento de serviços digitais da Comunidade Europeia com regras que buscam elevar a proteção dos direitos fundamentais no ambiente digital, bem como os debates no Congresso norte-americano para a criação de uma agência nacional voltada especificamente para o combate da desinformação e para a reforma da Communications Decency Act, cuja seção 230 isenta empresas de internet de diversas consequências legais decorrentes do conteúdo postado em suas plataformas e até mesmo de suas próprias decisões de remoção de conteúdo, partindo da premissa de que são meros intermediários ou canais.
No Brasil, para além do PL 2.630/2020, tivemos a recente decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que, no âmbito da Petição 9.935/DF, oriunda de representação de autoridade policial, ordenou o bloqueio do aplicativo de mensagens Telegram em todo o território nacional, diante da resistência em cumprir decisões judiciais e adotar procedimentos de moderação de conteúdo para evitar a propagação de atividades ilícitas na sua plataforma.
Independentemente de quais venham a ser as políticas de funcionamento da plataforma, a aquisição do Twitter por uma pessoa física e a transformação da companhia em uma empresa de capital fechado causa preocupação, na medida em que estará dispensada de divulgar informações ao mercado, reduzindo a transparência. Esse será um dos papéis da regulação, fiscalizando e equilibrando o funcionamento das redes sociais, de modo a criar um ambiente saudável e democrático, sem abusos.
A liberdade de expressão é um direito fundamental, mas não é um direito irrestrito, encontrando limites em outros direitos fundamentais com os quais se interrelaciona e que inviabilizam, por exemplo, as já mencionadas fake news e os discursos de ódio.
Assim como outros setores da economia com potencial de causar impactos significativos na sociedade e influenciar os rumos de um país, as redes sociais também devem se sujeitar à regulação, como meio de moderação de conteúdos e estabelecimento de regras de conduta que assegurem o amplo respeito aos direitos dos usuários.
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1 Texto original do senador Alessandro Vieira (PSDB/SE) e substitutivo do deputado Orlando Silva (PCdoB/SP).