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Fan tokens ganham destaque no Brasil, mas exigem atenção

Fan tokens ganham destaque no Brasil, mas exigem atenção.

24/9/2021

Os fan tokens ou FTOs têm estado em bastante evidência nas últimas semanas, especialmente depois que grandes times de futebol do Brasil, como Flamengo, Vasco, Atlético Mineiro e Corinthians decidiram aderir a essa tecnologia.

Antes disso, agremiações e seleções de futebol de outros países, além de diversos outros esportes, como automobilismo, basquete e artes marciais, já haviam lançado suas próprias "moedas", com destaque para o Barcelona, cujos FTOs foram inicialmente oferecidas ao mercado em junho de 2020 e, em menos de duas horas, já haviam gerado uma receita de 1,3 milhão de euros1, cerca de R$8 milhões na cotação atual.

Impulsionadas pela pandemia da Covid-19 e a suspensão de diversos eventos esportivos ou a sua realização sem público, a indústria esportiva se viu obrigada a procurar novas formas de se capitalizar e de interagir com fãs e torcedores. Foi nesse contexto que, dentre outros produtos de natureza digital, como os NFTs (sigla em inglês para tokens não fungíveis2), foram lançados os FTOs, uma espécie de criptomoeda3 que confere aos titulares acesso a uma variedade de vantagens, tais como participação em iniciativas de marketing, prêmios e até mesmo direito de voto em determinados assuntos do clube (uniforme da equipe, músicas tocadas no estádio etc.).

Embora fungíveis e intercambiáveis – diferindo, nesse aspecto, dos NFTs –, os FTOs não estão necessariamente atrelados aos princípios subjacentes de valor de outras criptomoedas como o Bitcoin, sendo o seu preço baseado muito mais no quanto os fãs e torcedores valorizam a possibilidade de participar das atividades do clube emissor e de conseguir benefícios exclusivos.

Diante dessas aplicações específicas, os FTOs são também denominados utility tokens (tokens de utilidade), pois, pelo menos na essência, não são ativos financeiros nem de especulação, a rigor dispensando regulamentação pela Comissão de Valores Mobiliários ou qualquer outro órgão equivalente.

Nesse sentido, como visto, os FTOs se contrapõem a criptoativos como o Bitcoin, que são considerados currency tokens ou CTOs (tokens moeda), um ativo financeiro que é basicamente usado como dinheiro, reserva de valor ou uma unidade de conta (para fins de precificação, por exemplo).

Os FTOs também não se confundem com os security tokens ou STOs, que são ativos mobiliários virtuais, equivalentes às seguridades tradicionalmente oferecidas por grandes companhias ou governos para financiar suas atividades (ações, debêntures, certificados etc.), tendo como contrapartida o direito ao recebimento de dividendos, lucros, juros etc. Os STOs diferem das ativos mobiliários clássicos porque todo o procedimento é realizado através da utilização das tecnologias de blockchain e de criptografia, conferindo maior liquidez à operação.

No seu lançamento, o preço dos FTOs em geral é definido pelo clube emissor, mas, a partir daí, fica sujeito às oscilações de mercado conforme sua popularidade. A maioria das transações relevantes tem sido realizada por intermédio da Chiliz, líder mundial na provedoria de blockchain para esporte e entretenimento, que desenvolveu a plataforma socios.com, específica para operações envolvendo FTOs e responsável pelo lançamento, entre outras, das moedas do UFC (organização de MMA, artes marciais mistas), do Chicago Bulls, Orlando Magic e Boston Celtics (integrantes da NBA, liga de basquete norte-americana), do Barcelona, Juventus, Paris Saint-Germain e Arsenal (times de importantes ligas de futebol da Europa) e, no Brasil, do Flamengo, Atlético Mineiro e Corinthians.

A plataforma oferece um aplicativo que funciona como uma wallet (carteira), servindo de veículo inclusive para que os fãs e torcedores exerçam os direitos que lhes são assegurados pelos FTOs. Esses diretos são definidos por cada agremiação e normalmente possuem diferentes categorias, cujo acesso depende da quantidade de FTOs detidos pelo titular, como forma de estimular a aquisição de mais tokens.

Entretanto, se há mais procura, o preço tende a aumentar. Então, os compradores de FTOs podem, sim, lucrar – ou perder – com a operação. Os FTO's do Paris Saint-Germain, por exemplo, valorizaram 132% logo após o anúncio da contratação do jogador Lionel Messi – subindo de US$22 para US$51 –, dias depois caindo cerca de 40% para se estabilizar em US$304. Embora menores, variações também têm sido identificadas conforme o resultado das partidas disputadas pelos times5.

Portanto, mesmo não sendo o objetivo principal desta criptomoeda, essas oscilações de mercado deixam transparecer a possibilidade de especulação, situação que gera preocupação com os potenciais riscos atrelados ao negócio, sobretudo diante do desconhecimento de grande parte do público investidor.

Ainda é cedo para avaliar o futuro dos FTOs no Brasil, mas será fundamental acompanhar de perto a sua evolução, em especial a forma como irá se desenvolver o seu mercado secundário, inclusive de modo a determinar a eventual necessidade de regulação pelo Estado.

Até lá, por mais atraente que pareça a ideia de investir em criptoativos, ao mesmo tempo, prestigiar o seu time de coração, recomenda-se bastante cautela na aquisição dos FTOs.

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1 Disponível aqui.

2 Já falamos dos NFTs em coluna anterior. Confira aqui.

3 Criptomoeda ou cibermoeda é o nome genérico dado para moedas digitais/virtuais, um meio de troca que se vale das tecnologias de blockchain e criptografia para conferir segurança e validade às transações e proteção aos dados de quem transaciona.

4 Disponível aqui.

5 Disponível aqui.

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Daniel Bittencourt Guariento é sócio da área contenciosa do Machado Meyer Sendacz e Opice Advogados, especialista em Direito Digital e tecnologia. Membro da Comissão Especial de Tecnologia e Informação da OAB, do Conselho de Tecnologia e Informação do IASP e do Comitê de Direito Digital do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA). Ex-assessor de ministros do STJ, na sessão de Direito Privado.

Ricardo Maffeis Martins é advogado especialista no Contencioso Digital e de Proteção de Dados. Professor de Direito Processual Civil da Escola Paulista de Direito e do Curso Damásio. Foi assessor de ministros e coordenador da Segunda Seção do STJ. Certificado em Privacidade e Proteção de Dados pelo Data Privacy Brasil. Membro da Comissão de Direito, Inovação e Tecnologia do IASP.