Na última terça-feira, 9/3, seguindo o cronograma da agenda regulatória divulgada no início do ano, a Agência Nacional de Proteção de Dados – ANPD publicou sua Portaria no 1, com o regimento interno do órgão. Com isso, além de estabelecer sua estrutura organizacional e as regras para o desenvolvimento de suas atividades, a autoridade dá o primeiro passo rumo à regulação de diversos temas previstos na Lei Geral de Proteção de Dados.
Do ponto de vista estrutural, a ANPD será composta:
(i) pelo Conselho Diretor, órgão máximo da entidade, formado por cinco diretores, cada qual com um gerente de projeto a ele subordinado, e que será responsável, entre outras coisas, pela edição de regulamentos; definição de padrões e técnicas de anonimização, interoperabilidade e segurança; definição do conteúdo de cláusulas-padrão contratuais, normas corporativas globais, selos, certificados e códigos de conduta; e reexame de sanções administrativas;
(ii) pelo Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade - CNPD, órgão consultivo da ANPD, cujos membros, em um total de 23, ainda pendem de indicação mas que será formado a partir de indicações setoriais (sociedade civil, instituições científicas, tecnológicas e de inovação, confederações sindicais, entidades representativas dos setores empresarial e laboral) e emissários do governo, do Senado, da Câmara, do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público e do Comitê Gestor da Internet no Brasil. O funcionamento do CNPD será disciplinado por regimento interno próprio, mas caberá ao órgão, prioritariamente, propor diretrizes estratégicas e fornecer subsídios para a elaboração da Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade e para a atuação da ANPD;
(iii) por órgãos de assistência ao Conselho Diretor, notadamente uma Secretaria-Geral, uma Coordenação-Geral de Administração e uma Coordenação-Geral de Relações Institucionais e Internacionais;
(iv) por órgãos seccionais, quais sejam, corregedoria, ouvidoria e assessoria jurídica, que exercerão as atribuições de praxe; e
(v) por órgãos específicos singulares, especificamente coordenadorias gerais de normatização, fiscalização e tecnologia e pesquisa, voltadas para o apoio do Conselho Diretor no exercício de suas funções.
Interessante notar que as deliberações do Conselho Diretor poderão ser tomadas de duas formas distintas, ambas por maioria simples, estando presente a maioria absoluta de seus membros, tendo o Diretor-Presidente voto de qualidade em caso de empate:
(i) reuniões deliberativas, para matérias que demandem debate mais aprofundado, observando-se os procedimentos de praxe em sessões de julgamento (publicação prévia da pauta, direito de sustentação oral, possibilidade de pedido de vista etc.). Os julgamentos realizados em reuniões deliberativas admitem, ainda, conversão em diligência, sempre que se entender que a matéria requer instrução adicional; e
(ii) circuitos deliberativos, para casos em relação aos quais já exista entendimento consolidado ou, excepcionalmente, para temas relevantes e urgentes, cuja omissão possa causar prejuízos irreversíveis. Ao contrário das reuniões deliberativas, que podem ser presenciais ou virtuais, os circuitos deliberativos serão realizados exclusivamente mediante votação eletrônica, salvo se o Conselho Diretor decidir pela conveniência da realização de debates orais, hipótese em que a matéria será incluída na pauta de reunião deliberativa.
O regimento interno também detalha os procedimentos administrativos da ANPD, estabelecendo a observância dos princípios gerais de direito público e administrativo, bem como da lei 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
Dentre os procedimentos previstos, estão os de audiência pública, para debate de matérias de interesse relevante, e de consulta pública, destinado a submeter minuta de regulamento ou norma a críticas e sugestões do público em geral.
No que se refere aos processos administrativos, a instância máxima de recurso é o Conselho Diretor e, funcionando este como instância única, caberá pedido de reconsideração, a ser distribuído para Diretor distinto daquele responsável pelo voto condutor da decisão recorrida.
A edição de atos normativos, por sua vez, deverá ser precedida de análise de impacto regulatório ou nota técnica a serem elaborados pela coordenação-geral de normatização, contendo informações e dados sobre os prováveis efeitos do ato, de modo a verificar a razoabilidade do impacto e subsidiar a tomada de decisão.
Esses, em suma, os principais pontos do regimento interno da ANPD, cujo inteiro teor recomendamos a leitura para conhecimento detalhado das atribuições e procedimentos dos diversos órgãos e departamentos que a compõem.
Vale registrar que o regimento interno não delineia os procedimentos para apuração de infrações e aplicação de sanções, os quais, de acordo com o parágrafo único do artigo 49, serão objeto de regulamento específico que, nos termos do cronograma apresentado na agenda regulatória da ANPD1, será editado ainda neste primeiro semestre de 2021, período durante o qual também devem ser divulgadas regras para pequenas e médias empresas, startups e pessoas físicas e orientações sobre a elaboração de relatórios de impacto.
Seja como for, o regimento interno representa um instrumento essencial para viabilizar as atividades da ANPD, permitindo que a autoridade desempenhe de forma efetiva as suas funções, trazendo, de um lado, concretude para as regras da LGPD, e, de outro, orientação e esclarecimento para os diversos stakeholders do tratamento e proteção de dados pessoais.
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1 A agenda regulatória para o biênio 2021-2022 foi objeto da Portaria 11/21 da ANPD.