Impressões Digitais

Direito ao esquecimento, direito de resposta e o modo correto de se obter dados armazenados no exterior entram na pauta do STF

29/1/2021

Não é tarefa fácil acompanhar os principais julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF). Como sua competência é muito ampla, qualquer assunto em que possa haver uma inconstitucionalidade ou algum desdobramento de natureza constitucional pode bater às portas da Suprema Corte. Um grande avanço teve início há alguns anos e se tornou tradição: a divulgação antecipada da pauta semestral do Plenário.

No último dia de 2020, o site do STF publicou a pauta do primeiro semestre de 2021 e, dentre os temas que devem ser julgados1 até junho deste ano, estão três de grande interesse para quem estuda direito digital: o direito ao esquecimento, a regulamentação do direito de resposta contra veículos de imprensa e a tormentosa questão de o que fazer quando, num processo judicial, descobre-se que os dados estão armazenados no exterior pelos provedores de internet. A filial deve cumprir a determinação de um juiz brasileiro ou é necessário seguir todo o trâmite dos tratados internacionais?

Vamos a eles.

Direito ao Esquecimento

Está agendado para a abertura do ano forense – dia 3 de fevereiro – o julgamento do Recurso Extraordinário 1.010.606, da relatoria do ministro Dias Toffoli, em que se discutirá o direito ao esquecimento. Trata-se de ação indenizatória movida pelos familiares de Aída Curi (assassinada em 1958) contra a TV Globo, em razão da exibição de reportagem sobre o crime no programa Linha Direta – Justiça, décadas mais tarde.

O recurso foi interposto em 2010 contra acórdão do Tribunal de Justiça fluminense (TJ/RJ), juntamente com recurso especial. Como no Superior Tribunal de Justiça (STJ) o recurso dos familiares não teve êxito2, agora será a vez do STF apreciar o tema, em que se questionam os limites da liberdade de imprensa e a necessária ponderação com a proteção da imagem, nome e honra das pessoas. Argumentam os recorrentes que o direito ao esquecimento é um reforço na defesa da dignidade da pessoa humana e que o artigo 220 da Constituição Federal impõe limites à liberdade de expressão, nos termos do que foi decidido no julgamento da ADPF3 130, ação em que foi declarada a incompatibilidade da Lei de Imprensa com a Constituição. 

A repercussão geral do tema foi reconhecida em dezembro de 2014 e, na sequência, o relator deu provimento ao agravo para admitir o recurso extraordinário, que havia sido inadmitido pelo TJ/RJ. O parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) pelo não provimento do recurso, destacando que o “denominado direito a esquecimento” ainda não foi reconhecido ou demarcado no âmbito civil por nenhuma norma jurídica brasileira, não podendo, assim, limitar a liberdade de expressão ou justificar indenização “pela só lembrança de fatos pretéritos”.

Diversas entidades e provedores, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS), a organização Artigo 19 Brasil, o Google e o Yahoo atuam na condição de amicus curiae. Por fim, reconhecendo a importância do tema, em junho de 2017 foi realizada uma audiência pública para que os interessados pudessem apresentar seus pontos de vista ao relator.

Direito de resposta

Está previsto para 10 de março o julgamento de três ações diretas de inconstitucionalidade, as ADIn’s  5.436, 5.418 e 5.415, todas também de relatoria do ministro Dias Toffoli, envolvendo dispositivos da lei 13.188/15, que regulamentou o direito de resposta ou de retificação do ofendido em matéria publicada pelos veículos de comunicação4.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) pedem a inconstitucionalidade de alguns artigos da lei5 e a interpretação conforme de outros dispositivos, sob o argumento de que o trâmite célere criado restringiria as garantias do devido processo legal e do contraditório por parte da imprensa.

Após manifestações contrárias às ações por parte das Casas do Congresso Nacional e da Advocacia-Geral da União (AGU), a Procuradoria-Geral da República defendeu a procedência parcial dos pedidos, considerando o que o rito é efetivamente muito abreviado, prejudicando o direito de defesa, bem como para que seja afastada a exigência de julgamento colegiado para concessão de efeito suspensivo.

Vale mencionar que a eficácia do direito de resposta é muito questionada quando a ofensa ou notícia inverídica foi publicada na internet.

Ordens judiciais brasileiras e dados no exterior

Por fim, poderá ser julgada em abril a Ação Declaratória de Constitucionalidade 51, ajuizada  pela Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação, que defende a constitucionalidade do Decreto nº 3.810/2001, que promulgou o Acordo de Assistência Judiciário-penal entre o Brasil e os EUA, conhecido pela sigla “MLAT”.

Argumenta-se que diversas decisões judicias afastam a expedição de carta rogatória ou mesmo o trâmite firmado no referido acordo, determinando que filiais brasileiras de empresas estrangeiras cumpram ordens judiciais brasileiras quando “a competência para determinar a entrega de dados é da autoridade competente no território em que o provedor de aplicação estiver localizado”. Busca-se então a declaração de constitucionalidade do decreto para que tais decisões não possam mais ser proferidas no Brasil.

AGU e PGR posicionaram-se contrariamente ao pedido, sendo que o órgão ministerial pugnou até mesmo pela falta de legitimidade ativa da autora e inexistência de controvérsia constitucional. Tal qual no caso do direito ao esquecimento, o relator, ministro Gilmar Mendes, convocou audiência pública para aprofundamento dos debates, oportunidade em que inúmeros especialistas puderam expor seus argumentos técnicos e jurídicos.

Foi deferida liminar apenas para impedir o levantamento de valores depositados judicialmente a título de multa pecuniária nos processos em que a discussão seja a adoção ou não do MLAT.

Agora, é ficar de olho. Por se tratarem de ações e recursos em trâmite no Supremo Tribunal Federal, as decisões proferidas terão grande impacto nos demais tribunais.

___________

1 Trata-se de expectativa, uma vez que julgamentos que não sejam encerrados na data prevista acabam por postergar outros já agendados. Há ainda a possibilidade de retirada de pauta pelo relator ou pelo próprio presidente do tribunal.

2 Vide, a respeito, o Recurso Especial nº 1.335.153/RJ, julgado pela Quarta Turma do STJ, relator o ministro Luis Felipe Salomão.

3 ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

4 A lei veio na sequência da declaração de não recepção da antiga Lei de Imprensa pela Constituição Federal de 1988 (ADPF nº130). Como o STF declarou a Lei nº 5.250/1967 integralmente não recepcionada, o legislador editou este novo diploma com o intuito de que o direito de resposta não ficasse desprotegido.

5 O dispositivo mais questionado é o artigo 10, que prevê que contra as decisões proferidas nos processos ajuizados com base na lei, somente pode ser concedido efeito suspensivo a recurso em juízo colegiado, afastando o poder do relator. O STF concedeu medida cautelar para que o efeito suspensivo possa ser deferido também em decisões monocráticas.

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Colunistas

Daniel Bittencourt Guariento é sócio da área contenciosa do Machado Meyer Sendacz e Opice Advogados, especialista em Direito Digital e tecnologia. Membro da Comissão Especial de Tecnologia e Informação da OAB, do Conselho de Tecnologia e Informação do IASP e do Comitê de Direito Digital do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA). Ex-assessor de ministros do STJ, na sessão de Direito Privado.

Ricardo Maffeis Martins é advogado especialista no Contencioso Digital e de Proteção de Dados. Professor de Direito Processual Civil da Escola Paulista de Direito e do Curso Damásio. Foi assessor de ministros e coordenador da Segunda Seção do STJ. Certificado em Privacidade e Proteção de Dados pelo Data Privacy Brasil. Membro da Comissão de Direito, Inovação e Tecnologia do IASP.