Na maior parte dos escritórios de advocacia brasileiros, estamos há aproximadamente cinco meses trabalhando em home office. O que antes era tabu para muitos ou a exceção permitida em esquema de rodízio e apenas um dia da semana – e olhe lá – virou regra, aplicável a toda equipe. Faltou preparação prévia, é certo, mas o fato é que a advocacia foi uma das profissões que melhor se adaptou à necessidade de isolamento social.
Assim como já havia ocorrido com inúmeras outras profissões, nossa rotina migrou do ambiente físico para o virtual e, como as disputas não param, logo estávamos realizando o que parecia impossível: despachos, audiências e até sustentações orais por videoconferência. Aprender a operar1 ferramentas como o Zoom ou o Teams passou a ser mais importante que ter prática com editores de texto e planilhas, atingindo o mesmo grau de relevância para a profissão que o domínio do processo eletrônico.
Para entender como foi possível chegarmos até aqui no que diz respeito à tecnologia, é necessário retornar uma década, para os anos de 2008 a 2010, quando, sob a presidência do ministro Cesar Asfor Rocha, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou uma iniciativa pioneira que, tempos depois, foi seguida pelos demais tribunais: a digitalização dos processos, com abandono paulatino dos autos físicos para os eletrônicos2. Mas a digitalização, que permitiu a consulta aos autos e o protocolo de petições à distância, foi apenas o primeiro passo. Pouco tempo depois, por exemplo, os órgãos julgadores do STJ passaram a adotar os julgamentos eletrônicos, trazendo maior rapidez às sessões, além do ganho em eficiência, ao permitir que os ministros – e o advogado que ocupasse a tribuna – consultassem online precedentes e, no caso dos julgadores, acompanhassem a leitura do voto do relator.
Desde então, os avanços foram muitos, tendo-se a lamentar apenas o fato de os diferentes sistemas de processos eletrônicos em uso não conversarem entre si. Nesse sentido, embora não seja nada fácil a situação dos advogados, que precisam aprender os caminhos e nuances de sistemas eletrônicos muito diferentes entre si, os esforços do Conselho Nacional de Justiça para que todos os tribunais passassem a utilizar um único sistema foram extemporâneos, na medida em que as cortes já haviam investido tempo e dinheiro em determinado sistema para depois abandoná-lo.
Chegamos então a 2020 e às mudanças ocorridas por conta da necessidade de adaptação do mundo jurídico ao isolamento social. Mas, como bem ponderado recentemente pelo criminalista Alberto Zacharias Toron, se é verdade que – salvo raríssimas exceções3 – não se utilizava a videoconferência para despachos com magistrados, até pelas dificuldades técnicas e a pouca familiaridade com a ferramenta, por que nunca antes se pensou no uso do telefone para esta função?4 Com efeito, é dispendioso e até mesmo ilógico o deslocamento a Brasília, que em geral consome um dia inteiro entre ida e volta, para um despacho que não costuma ultrapassar 15 ou 20 minutos.
Neste sentido, o momento especial em que vivemos deve ser utilizado não apenas para que as adaptações já consolidadas permaneçam em uso após o término da quarentena. A continuidade da realização de despachos e julgamentos por videoconferência já representará um ganho em efetividade do trâmite processual, mas é possível avançar muito mais.
Num despacho presencial, os advogados levam memoriais escritos para entregar ao julgador. Por que não se permitir que se exiba uma apresentação – em compartilhamento de tela – durante o despacho virtual? Essa apresentação não precisa ficar restrita a um texto, podendo ser utilizado um PowerPoint, um vídeo técnico ou até mesmo acessar um determinado website sobre o qual se pretenda produzir determinada prova.
Semelhante ferramenta pode ser facilmente utilizada também nos julgamentos. Não há mais motivos para que não se permita utilizar a tecnologia durante a sustentação oral, respeitando-se o tempo destinado a ela e ficando sob a responsabilidade do advogado a qualidade do material a ser exibido durante o tempo de sua intervenção. A exibição do documento sob o qual reside a controvérsia, perante o órgão colegiado, facilita a compreensão de todos, trazendo ganho não apenas ao advogado que utiliza a ferramenta, mas também ao Judiciário e, em última análise, à sociedade, caso se chegue a decisões mais justas.
Outro ponto em que se pode progredir – e muito – é na comunicação dos atos processuais. O Código de Processo Civil já traz algumas regras sobre a comunicação eletrônica5, mas a quarentena possibilitou o aprimoramento de novas facilidades, algumas das quais revestidas de grande informalidade, como o uso de aplicativos de mensagens. Desde que respeitado devido processo legal e asseguradas as garantias processuais, não há porque, passado este período, se retornar às comunicações físicas, em especial as cartas precatórias e rogatórias, cujos procedimentos burocráticos acabam por retardar o andamento processual. O uso das modalidades não eletrônicas pode ser reservado para determinadas situações em que a internet não possa substituí-la.
Em conclusão, o período de pandemia fez com que o mundo jurídico rapidamente se adaptasse a novas rotinas. Agora, é o momento de aproveitar a tecnologia para ir além, para que as mudanças não se limitem à mera substituição do que antes era realizado presencialmente, mas contribuam com o aprimoramento da atividade jurisdicional.
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1 O uso equivocado já mostrou o enorme risco à reputação e imagem dos operadores de direito. Exemplos de maus comportamentos em sessões de julgamento aparecem diariamente na imprensa e nas redes sociais, a ponto de já ter sido afirmado que o uso correto dos botões de ligar/desligar a câmera e o microfone ser tão importante quanto a mensagem a ser transmitida.
2 É certo que antes do STJ já havia outras experiências com processos eletrônicos, mas a Corte Superior merece o reconhecimento porque foi a partir do incentivo do STJ – que passou a digitalizar todos os novos recursos e devolver os autos físicos aos tribunais de origem – que os tribunais estaduais e regionais viram que este era um caminho sem volta.
3 A ministra Nancy Andrighi, também do STJ, há anos despacha por videoconferência, via Skype.
4 Webinar Migalhas "Novas Tecnologias e o Judiciário", ocorrido em 06/08/2020.
5 Citação por meio eletrônico, "conforme regulado por em lei" (art. 246, V e §§ 1º e 2º), expedição de cartas eletrônicas (arts. 263 e 264) e intimação do advogado da parte contrária por correio eletrônico (art. 269, § 1º), todos do CPC.