Tramita no Congresso Nacional, com votação em tempo recorde, o Projeto de Lei 2.630, de autoria do senador Alessandro Vieira (CIDADANIA-SE), que se propõe a instituir a lei brasileira de liberdade, responsabilidade e transparência na internet, fixando normas, diretrizes e mecanismos de funcionamento das redes sociais e serviços de mensageria privada (tais como WhatsApp, Telegram e Messenger, pra citar os mais populares), de modo a inibir a sua utilização de forma abusiva.
A iniciativa vem em meio às crescentes discussões envolvendo as denominadas fake news, expressão que, embora cunhada ainda no século XIX, se popularizou em âmbito mundial durante as eleições de 2016 nos Estados Unidos da América, em que foram identificadas dezenas de sites veiculando conteúdo intencionalmente falso e enganoso envolvendo principalmente os então candidatos Donald Trump e Hillary Clinton.
Desde então, o crescente aumento do acesso à internet e popularização das mídias sociais, impulsionando os lucros dos anúncios online, levou à propagação das fake news no Brasil, sobretudo a partir das eleições de 2018, em que inúmeras notícias de conteúdo duvidoso foram veiculadas, culminando com a instalação, em setembro/2019, de Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar o uso de perfis falsos para a prática de crimes cibernéticos.
Este o cenário que levou à iniciativa do PL 2.630, cujo conteúdo, no entanto, trata o tema de forma inadequada e superficial, colocando em risco direitos fundamentais e trazendo enorme insegurança jurídica.
O primeiro problema diz respeito às imprecisões técnicas contidas no Projeto, com conceitos que se mostram conflitantes em relação àqueles presentes na legislação em vigor, dando margem a confusões. É o caso, por exemplo, da definição de provedor de aplicação, que de acordo com o Projeto pode ser pessoa física ou jurídica, enquanto na lei 12.965/2014 – o denominado Marco Civil da Internet – são apenas pessoas jurídicas.
Além do conflito frente a outras normas, o Projeto também faz uso de definições de enorme subjetividade, como a de desinformação, o que certamente resultará em dúvidas recorrentes quanto à incidência e extensão da lei.
Outro grande problema refere-se ao fato de que, embora se proponha a estabelecer regras gerais aplicáveis a toda a rede mundial de computadores, o Projeto foi claramente concebido com base nas principais plataformas da internet – Google, WhatsApp, Facebook, e Twitter –, o que, diante da rápida e dinâmica evolução do meio virtual, tende a, num curto espaço de tempo, tornar a norma obsoleta.
Leis dessa natureza devem ser principiológicas e não casuísticas, para que sejam perenes, capazes de acompanhar o constante desenvolvimento da tecnologia.
Aliás, o Projeto em certa medida nasce ultrapassado, pois adota "soluções" já testadas – e abandonadas – como é o caso da exigência de que patrocinadores de conteúdo confirmem sua identificação e localização, inclusive por meio da apresentação de documento de identidade.
Ademais, ao positivar o modelo de funcionamento de determinados aplicativos, o Projeto obriga os demais provedores a seguirem um padrão, o que induz prejuízos para a livre iniciativa, para a concorrência e para a inovação, além de impedir, ou pelo menos dificultar, que o Brasil acompanhe as modificações que venham a ser implementadas em aplicativos no resto do mundo.
Por outro lado, o Projeto impõe elevada carga de obrigações aos provedores de internet, inclusive a responsabilidade exclusiva pelo combate à desinformação e o dever de monitorar conteúdos considerados falsos ou enganosos, indo na contramão do Marco Civil da Internet, que, como regra, determina que a remoção de conteúdos impróprios se dê mediante prévia ordem judicial.
Ao contrariar o regime de responsabilidades do Marco Civil da Internet, o Projeto coloca em risco direitos fundamentais, em especial a liberdade de expressão, potencializando a censura, pois legitima e incentiva um maior controle dos provedores sobre a internet, até mesmo com vistas a mitigarem o risco de serem responsabilizados por danos derivados de conteúdos considerados impróprios.
Seria melhor estimular a moderação de conteúdo e não exigir o seu monitoramento, o que, inclusive, vai de encontro à jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "não se pode impor ao provedor de internet que monitore o conteúdo produzido pelos usuários da rede, de modo a impedir, ou censurar previamente, a divulgação de futuras manifestações ofensivas contra determinado indivíduo"1.
Enfim, da forma com está, o Projeto não resolve o problema das fake news e, pior, cria distorções no funcionamento da internet. Não se ignora a importância de se coibir a disseminação de notícias falsas, mas justamente por conta da relevância do tema, tão caro à preservação da democracia e da ampla liberdade de expressão, o Projeto merece maior discussão, inclusive mediante consultas públicas, de modo a enriquecer o debate em torno da matéria, assegurando a edição de uma norma apta a efetivamente combater a utilização da rede mundial de computadores para fins perniciosos.
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