Pesquisa da Universidade de Princeton apontou que o setor jurídico está entre os 20 mais afetados pela IA nos próximos anos. O que isso quer dizer? Em 10 anos todos os 1,4 milhão de advogados brasileiros devem começar a procurar novas atividades? Certamente que não, mas o advento da IA e seus sistemas revolucionários vieram para impactar a forma como setor jurídico, entre eles a advocacia, atua. Uma tendência que deve afetar igualmente todos os demais segmentos da economia e da sociedade.
No universo da advocacia, as tecnologias de IA foram, a princípio, avaliadas de três formas: Com discriminação, preocupação e vistas como desafios. O primeiro implica na grande resistência inicial que o uso de tecnologias de IA teve junto aos profissionais e entidades de classe, sopesando a questão da redução de postos de trabalho, tanto nos escritórios de advocacia, quanto nos departamentos jurídicos, além de um ceticismo genalizado de que a solução dos problemas estava na tecnologia. O temor ganhou um grau a mais com a chegada da IA generativa, que envolve modelos de aprendizagem da máquina que, com base na análise de grande volume de dados preexistentes é capaz de criar conteúdo semelhante aos inéditos, sejam de vídeos a áudios e textos, meio pelo qual o setor jurídico desenvolveu sua atividade desde sua criação.
O presidente do Supremo Tribunal norte-americano, John Roberts, foi muito assertivo ao afirmar que o potencial das tecnologias de IA mudará o modo de trabalho de todos os operadores do Direito, mas tem consigo a angústia de que isso possa desumanizar a lei. Essa observação contém duas verdades: Os sistemas de IA estão acelerando grandes mudanças no sistema jurídico e que o Direito tem uma forte tradição na cultura do humanismo, no sujeito de direito e na garantia do princípio da dignidade do ser humano. Contudo, a tecnologia não incrementará vulnerabilidades neste campo se, na prática, cada profissional do Direito empregar os sistemas de IA para tornar a justiça mais eficaz e acessível.
A segunda frente envolve os vieses éticos, de transparência e de conformidade, uma vez que o Brasil não consegue evoluir em seu Marco Regulatório da IA (PL 2.338/23), cuja votação vem sendo adiada no Congresso Nacional por falta de consenso entre os parlamentares. Esse tipo de impasse entre avanço e recuo sobre os sistemas de IA, contudo, poderá ser superado pela possibilidade, mesmo sem regramento de conformidade, de que haverá supervisão humana a cada progresso das tecnologias de IA, aliado às vantagens disponíveis para toda a sociedade.
Muitos estudos têm apontado que os analistas jurídicos, os bacharéis de Direito que realizam serviços de apoio nos escritórios, como pesquisas jurídicas, correm mais risco de perder mais rapidamente seus postos para a tecnologia, porque os softwares conseguem processar dados mais rapidamente do que qualquer ser humano, em diferentes idiomas com possibilidade de análise, resumo e aplicação enquanto tese dentro de possíveis litígios. Dados de relatório da Goldman Sachs apontam que a IA Generativa pode substituir até 44% da profissão jurídica. Mas isso tem de ser examinado, porque estamos falando de tarefas burocráticas e repetitivas, que consomem tempo precioso do trabalho estratégico advocatício.
Aos poucos, o temor de que as tecnologias de IA generativa iriam ocupar o lugar dos advogados veio diminuindo. Haverá mudanças, disrupções, mudanças, mas nada acontecerá de afogadilho. Neste cenário, porém, o advogado terá de conhecer e incorporar algumas ferramentas tecnológicas fundamentais para seu trabalho ou ficará para trás.
No dia a dia, a IA vem ajudando os advogados e demais profissionais do setor jurídico a encontrar soluções criativas e adotar um novo mindset. Até um fato simples, como um aplicativo de busca amplia a possibilidade da pesquisa on-line no exercício da advocacia, seja pela quantidade ou qualidade da informação que reúne, e está provado que isso aumentar a autoestima cognitiva do pesquisador que, unida à tecnologia, permitirá avaliar os dados encontrados e a ensejar uma produtividade inovadora.
Na tentativa de revisitar esse processo da advocacia e da tecnologia, sistematizei cinco fases da gestão jurídica pelas quais passam os escritórios no Brasil ao mesmo tempo. Temos desde bancas que não utilizam ferramenta tecnológica alguma até as que empregam IA generativa em larga escala. Na fase 1, estão os escritórios sem sistemas tecnológicos digitais. Na fase 2, estão os que utilizam algumas ferramentas. Na fase 3, estão as que utilizam uma série de serviços tecnológicos disponibilizados pelas law techs. Na fase 4, estão os que empregam uma plataforma para gerir os serviços da banca e, por fim, na fase 5, aqueles que empregam as tecnologias da IA generativa. No Brasil de tantas contradições, esses 5 modelos de escritórios de advocacia convivem ao mesmo tempo.
Podemos ter como marco inicial da história da tecnologia na advocacia brasileira a década de 1980/1990, quando teve início a lenta automação dos escritórios de advocacia. Temos de lembrar que em 1974, foi criada a primeira empresa brasileira (estatal) de fabricação de computadores, a Cobra (Computadores Brasileiros S.A.), mas o computador pessoal demorou para ingressar nos escritórios dos advogados brasileiros. A internet só viria em 1995 e o primeiro provedor de e-mail viria no ano seguinte. O e-mail foi marcante para o dia a dia da advocacia, porque permitia comunicação mais rápida, eficiente e segura para enviar e receber mensagens dos clientes, que atualmente vem sendo substituído por aplicativos, mas teve um reinado longo.
Nos anos 2000, cresceram as possibilidades digitais de comunicação, pesquisa e gestão. O processo judicial eletrônico é implantado em 2006 pelo TJ/SP, seguido pelas demais cortes do país, dando o start na automação do Judiciário, tendo sofrido muitas resistências. Hoje, a digitalização é vista como altamente positiva, tendo sido ampliada durante a pandemia (2020/2021) com as audiências on-line.
Nesse “balaio” tecnológico, as soluções das lawtechs para atender às necessidades dos escritórios de advocacia continuam a se expandir, apresentando ferramentas que resultam em trabalho rápido, mais produtivo e mais barato, automatizando documentos, mediando conflitos on-line, prospectando novos serviços e fazendo análises preditivas, entre outras ações. Enfim, abrindo novas oportunidades em um mercado cada dia mais concorrido. No momento, a grande demanda está voltada à gestão de automação de contratos e gestão do contencioso.
As plataformas tecnológicas mudaram a forma como os escritórios e departamentos jurídicos trabalhavam e gerenciavam suas competências. O Legal Ops - Legal Operations, por exemplo, potencializa um conjunto de processos estratégicos e inovadores para assegurar boas práticas jurídicas, de tecnologia (com uso intensivo de IA), de negócios, de transparência e financeiros, melhorando a gestão do contencioso, principalmente quando o escritório reúne demandas da advocacia de volume.
Os sistemas da IA generativa são o presente/futuro da advocacia. O “aprendizado da máquina” que, com base em dados brutos, geram novos e inéditos conteúdos, popularizou o uso dessas ferramentas tecnológicas de IA, como o Chat GPT, Google Bard, Perplexity AI, Stable M, Dixa e outros chatbots de linguagem. A tendência é que grande parte dos advogados esteja aberta ao potencial da IA generativa para integrar em seu trabalho jurídico e, dessa forma, gerar novos insights. A profissão não deixará de existir, até porque onde há novas realidades surgindo, haverá novos conflitos e mais os advogados serão requisitados para representar as partes e suas demandas.