IA em Movimento

Impactos da IA generativa no mundo jurídico

Perguntas surgem sobre o uso da IAG na criação de conteúdo para sustentar decisões judiciais, normas de tribunais, resoluções e atos judiciais. Uma certeza é que os sistemas de IAG estão transformando a maneira como lidamos com litígios atualmente.

9/11/2023

A IA Generativa vem revolucionando diversos setores e o mundo jurídico não é exceção. Os desafios da aplicação da IAG nos processo industriais, educação, saúde, consumo vêm sendo debatidos à exaustão, mas no universo jurídico, ainda há muitas interrogações. Ela poderá ser usada para criar conteúdo para sustentar sentenças judiciais? Normas dos Tribunais? Resoluções? Definir Recursos Repetitivos? Atos judiciais de toda a sorte? Temos uma única certeza: Os sistemas de IAG mudarão a forma de litigar que conhecemos atualmente.

Certamente, há um uso potencial para essas tecnologias no universo jurídico, mas até onde será possível seguir? A Thomson Reuters Institute1 realizou uma pesquisa nos EUA, Canadá e Reino Unido com escritórios de grande e médio porte sobre o uso da IA Generativa. Para os advogados daqueles países, a ferramenta é considerada útil para o universo jurídico e 3% dos entrevistados já a empregam, mas a maioria (60%) têm reservas quanto ao seu uso imediato. Outra parte significativa (35%) está ponderando se explora ou não a IAG. A pesquisa também apurou que 15% dos escritórios alertaram para o uso não autorizado e 6% proibiram o uso.

A tecnologia avança em velocidade superior à legislação, o que pode gerar conflitos, ajustes e remédios tardios, sendo que uma pergunta retórica permanece: A IA poderia ser usada para gerar conteúdo  capaz de embasar decisões judiciais? Apesar das incertezas, uma coisa é certa: essa tecnologia está mudando o modo como entendemos o processo jurídico.Muitos no universo jurídico veem potencial na IA Generativa, mas também expressam cautela quanto à privacidade e  precisão dos dados.

A Ética e a IA Generativa

O equilíbrio entre inovação e ética é essencial. No Brasil, tanto a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) como o Senado Federal têm discutido regulamentações para o uso da IA, buscando um modelo que garanta autonomia e direitos dos  titulares de dados. A Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) divulgou a Nota Técnica 16 sobre o PL 2.338/23, em tramitação, que regulamenta o uso da IA no Brasil. A agência defende a criação de um Conselho Consultivo, como previsto na LGPD, com abordagem centralizada, a exemplo da adotada pela União Europeia, além insistir independência técnica e autonomia administrativa da ANPD, alterando os dispositivos de 32 a 35 do PL.2

No plano do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 332, de 20204, sobre ética, transparência e governança da IA. Há, no âmbito do Judiciário um repositório nacional de IA, que já conta com mis 200 modelos depositados pelos tribunais. Em junho, o órgão anunciou alteração das regras do uso das tecnologias de IA no Judiciário . A  resolução atual  limita o uso  quando o Poder Público não detém direitos autorais, mas o Departamento de Tecnologia da Informação do CNJ é favorável à ampliação do emprego dessas tecnologias.

Igualmente importante, é o estudo  coordenado pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão e pela Juíza federal Caroline Somesom Tauak, realizado pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV5 sobre o uso da IA nas cortes brasileiras , que já esta em sua terceira fase. A primeira aconteceu em 2020 e atingiu 47 tribunais; a segunda, em 2021,  abrangeu o número de ferramentas de IA e  a terceira, realizada no ano passado, aprofudou os processos de treinamento e funcionamento dos sistemas de IA no CNJ, STF, STJ, TST e TRF- 1.

A tecnologia, ao mesmo tempo que promete revolucionar, também traz desafios. Há casos em que a IA apresentou informações incorretas, o que evidencia a necessidade de supervisão humana constante.

O Cenário Internacional

Fora do Brasil, outros países também estão se adaptando. Nos EUA e no Canadá, por exemplo, regras estão sendo estabelecidas para o uso da IA. Tais regras exigem transparência no uso da tecnologia e conhecimento no campo jurídico, de todos os operadores do Direito. No Exterior, os tribunais têm estabelecido regras localizadas para uso da IAG. No Canadá,  por exemplo, a  Corte da província de Manitoba especifica que :“existem preocupações legítimas sobre a confiabilidade e precisão das informações geradas a partir do uso de inteligência artificial. Para abordar estas preocupações, quando a inteligência artificial tiver sido usada na preparação dos conteúdos protocolados na Justiça, os materiais devem indicar como a inteligência artificial foi empregada”6.

Nos Estados Unidos também vem crescendo o regramento nos Estados para uso da IAG na Justiça. É o caso de Illinois7, que apresenta a seguinte normativa: “...qualquer parte usando qualquer ferramenta de IA generativa para conduzir pesquisa ou para redigir documentos junto a este tribunal deve divulgar esse emprego, com a divulgação, incluindo a ferramenta específica de IA e a maneira como ela foi usada”.

Portanto, é possível inferir que será exigido do advogado que conheça mais profundamente as novas tecnologias de IAG e mantenha obediência à legislação; assim como será cobrado dos magistrados competência tecnológica para analisar se a IAG foi empregada, se a considera adequada e se não houve comprometimento de dados confidenciais dos clientes no processo. Para esses dois atores da Justiça, a supervisão humana torna-se praticamente obrigatória. 

Sem dúvida, os sistemas de IA generativa auxiliarão os humanos no âmbito jurídico a tomar decisões mais assertivas sobre inúmeras práticas do Direito, como propriedade intelectual, segurança do consumidor, invasão de privacidade, calúnia, difamação, coleta de dados protegidos etc. No entanto, a supervisão humana é essencial para garantir a aplicação ética e eficiente das tecnologias de IAG. Enquanto avançamos, é essencial que o diálogo público continue e que a integração internacional seja priorizada. A IA Generativa é uma realidade e cabe a nós determinar como ela moldará o futuro da Justiça.

______________ 

1 https://www.thomsonreuters.com/en-us/posts/technology/chatgpt-generative-ai-law-firms-2023/

2 https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/Nota_Tecnica_16ANPDIA.pdf

3 www.ilnd.uscourts.gov/_assets/_documents/_forms/_judges/Fuentes/Standing%20Order%20For%20Civil%20Cases%20Before%20Judge%20Fuentes%20rev'd%205-31-23%20(002).pdf

4 https://www.aaronandpartners.com/news/mata-v-avianca-the-hidden-dangers-of-using-ai-for-legal-advice/ 

5 https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3429

4 https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/relatorio_ia_3a_edicao_0.pdf

https://www.manitobacourts.mb.ca/site/assets/files/2045/practice_direction_-_use_of_artificial_intelligence_in_court_submissions.pdf

7 www.ilnd.uscourts.gov/_assets/_documents/_forms/_judges/Fuentes/Standing%20Order%20For%20Civil%20Cases%20Before%20Judge%20Fuentes%20rev'd%205-31-23%20(002).pdf

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Fabio Rivelli é advogado, sócio do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA); Doutorando em Direito pela PUC-SP, Mestre em Direito PUC-SP; MBA pelo INSPER, Pesquisador efetivo registrado no CNPq pela PUC-SP no grupo de Pesquisa do Capitalismo Humanista e ESG à Luz da Consciência Quântica, Palestrante da Sorbonne de Paris pelo terceiro ano consecutivo; Secretário-adjunto do Instituto do Capitalismo Humanista; DPO Setorial da Subseção Guarulhos da OAB/SP, Presidente da Comissão de Gestão Inovação e Tecnologia da OAB/SP - Subseção de Guarulhos (gestão até 2024); Coordenador adjunto em bioética e governança corporativa da Comissão de Privacidade de Dados e IA da OAB-SP; professor e autor de livros.

Ricardo Freitas Silveira é sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados. Doutor e Mestre em Direito pelo IDP – Instituto Brasileiro de Ensino,Desenvolvimento e Pesquisa.Especialista em gestão de contencioso de volume pela FGV e gestão de departamentos jurídicos pelo Insper.Especialista em Negócios Sustentáveis pela Cambridge University.Autor do livro "Análise Preditiva e o Consumidor Litigante".Professor convidado da Saint Paul, FIA, EDP, EBRADI e PUC-PR para cursos de pós-graduação.Coordenador da pós-graduação LEGALE em Gestão de Escritórios e Departamentos Jurídicos.Coordenador do núcleo de privacidade, proteção de dados e inteligência artificial da ESA SP.Membro consultor da Comissão de Acesso à Justiça da OAB Federal.Eleito pela Revista Análise nos anos de 2020, 2021 e 2023 como um dos Advogados Mais Admirados do Brasil em Direito Digital.