Vivemos na era da infoesfera (Pierre Lévy) da vida na web, 4.0, à beira da sétima revolução cognitiva do homo sapiens (Lucia Santaella), por prestes a entramos na fase da internet de tudo, onde tudo e todos estarão conectados. Cada vez mais a IA molda todos os aspectos da vida, impactando na pergunta sobre o que define o ser humano, já que a interação homem-máquina e as experiências na produção de verdadeiros cyborgues já não são mais ficção, falando-se atualmente do neo-humano e do inforgs (Luciano Floridi), com a morte dos objetos, substituídos pela informação, na nossa sociedade datificada.
Ingressamos na fase da hiperhistória ocorrendo a depende^ncia de nosso bem estar das tecnologias da informação e comunicação, o que diferencia da fase histórica antecedente, na qual indivíduos apenas se relacionavam com tais tecnologias (Luciano Floridi), sem que estivéssemos ainda possui'dos por o que se pode chamar de “infomania” (Byung-Chul Han).
É a fase da sociedade da informação, do capitalismo de informação, da economia de dados (“data-driven economy”), do desaparecimento progressivo das coisas, do real, pois dados e informações as substituem cada vez mais amplamente, pelo virtual dos dados informatizados, digitalizados. A era da 4ª revolução industrial, da indústria 4.0 ou era do silício caracteriza-se, principalmente, pela utilização da inteligência artificial em todos os setores de nossas vidas, com o aumento da intensidade de interconexões técnicas de todas as espécies. A linguagem escrita é substituída pela linguagem ciberoral.
Há o extraordinário avanço tecnológico, em particular da inteligência artificial, em todos os setores de nossas vidas, com o aumento da intensidade de interconexões técnicas, e a correspondente aceleracção do tempo, bem como a correlata transformação de nossa subjetividade. A inteligência artificial gera transformações sociais, culturais, éticas, e jurídicas, bem como interfere no conceito de democracia, cidadania e de soberania, relacionando-se intimamente com a proteção de dados. Há um grande impacto da utilização em massa de dados pessoais, donde se ter de atentar para a associação da inteligência artificial com a proteção de dados, sendo essencial a análise acerca da necessária mudança de paradigma quanto à regulamentação nestas áreas, com foco na regulação pela arquitetura técnica e design tecnológico, relacionando-se com as temáticas da risquificacção e coletivização, já que apenas a base legal do consentimento, por exemplo quando se fala de proteção de dados, revelou-se insuficiente e frágil, perdendo, pois sua primazia quando se fala em proteção de direitos fundamentais nesta seara.
A IA é uma das mais importantes tecnologias do mundo hoje, impactando todos os setores da sociedade, e em especial o futuro do trabalho e do Direito.
Uma das temáticas mais importantes da atualidade relaciona-se com o direito digital, humanismo digital e inteligência artificial, govtech e a nova infraestrutura do futuro, sendo importante a compreensão de tais temas através de uma abordagem interdisciplinar, holística, crítica e pela ótica das humanidades. Trata-se de construirmos uma ponte entre tais universos paralelos, da tecnologia e das humanidades, e aproximarmos a academia, das empresas, e do público em geral, por meio de uma linguagem acessível, mas que não deixe de ser uma análise responsável, científica e aprofundada.
Para alguns pesquisadores como Kai-Fu Lee a IA poderá nos ajudar na compreensão de questões fundamentais, filosóficas por excelência, tais como o que nos torna humanos, como queremos viver, quais valores nos são fundamentais como sociedade, e também caberia questionar o que a IA poderá fazer pelos seres humanos, olhando para ambos os lados, da utopia e da disrupção, o lado das oportunidades, e o lado dos desafios.
A inclusão e a diversidade andam de mãos dadas como pilares de inovação, sendo estas imprescindíveis para se adaptar aos novos paradigmas e mudança de mindset necessários para a vida 3.0 e o Direito 4.0.
Como a IA como a mais disruptiva das tecnologias irá afetar o futuro do trabalho e a forma como nós experienciamos o mundo? Grande parte da população que não tiver condições nem tempo de se adaptar as novas oportunidades de emprego viverá como uma classe considerada inútil, dependendo de economias que podem fornecer uma renda mínima, utilizando-se o tempo do ócio criativo em realidades virtuais que ampliam a gamificação da vida, de modo a substituirmos ansiedade e preocupações com o futuro da própria subsistência com um eterno mundo virtual onde tudo é possível e todos os desejos são realizados a um só click como no caso do metaverso. Bem vindos ao Congresso Futurista do Real.
A digitalização da sociedade precipitou-se e agudizou-se de maneira imprevisível, impulsionada pelo evento ainda em andamento da pandemia. O emprego massivo da inteligência artificial (IA) torna os dados o petróleo dos dias atuais, tendo o “big data” invadido praticamente todos os setores econômicos, passando-se a falar cada vez mais em economia de dados ou capitalismo de dados.
Para além do saber especializado e próprio da área das exatas, consideramos imprescindível uma arena de diálogo democrático abrangendo a área das humanidades, buscando-se ali uma compreensão alargada, livre de polaridades, como a que contrapõe uma visão idílica, utópica ou apenas disruptiva, com aquela sombria, reativa e distópica.
Trata-se, pois do da necessidade da revalorização da ética, tal como se deu em certo sentido com o pós-positivismo, aproximando-se o Direito da moral e reconhecendo as limitações do positivismo e da busca da certeza e objetividades no Direito, sendo esta ética que se torna necessária próxima do seu sentido original grego, presente em outras culturas, tanto antigas como contemporâneas, a saber, o de nos fornecer uma vida boa, por justificada, de conforto interno, contribuindo ao mesmo tempo para a recuperação desta característica da antiga ética grega, etopoética, um saber viver, levando-se em consideração o outro, a diferença, ao contrário de um guia de éticas baseado e construído por partes parciais, seguindo seu próprio conceito de ética, o que seria insuficiente. Por conseguinte, em um segundo momento torna-se imprescindível a transformação de tais princípios éticos em práticas concretas, afastando-se a denominada “lavagem ética”, e ao mesmo tempo transformando os mesmos também em princípios jurídicos, de forma a dar efetividade e tornar tais mandamentos vinculantes, e de outro lado não engessar a legislação, bem como prevendo cláusulas gerais, já que permitem uma interpretação mais aberta, e uma maior flexibilidade.
Sobretudo, entendemos como imprescindível a recuperação do raciocínio crítico, de modo a possibilitar a obtenção de uma visão ampla dos aspectos teóricos e práticos relacionados aos temas da IA e da proteção de dados, em uma visão holística, interdisciplinar e inclusiva, superando-se uma visão analítica, linear e bipolar, bem como dogmas já tidos como superados, tais como o da neutralidade e objetividade considerados fundamentos das ciências modernas e do pensamento científico.
A ética relacionada à IA, portanto, vai muito além de guidelines publicados por grandes empresas, ou entender a IA como um fim utilitário, a favor do progresso, sem se questionar o porquê, e para quem, contribuindo para uma maior exclusão social e concentração de renda, sendo essencial sua abordagem e construção por uma equipe interdisciplinar, imparcial, e com representantes de parcelas vulneráveis da população. Neste sentido a ética é entendida como um saber, enquanto tal, teórico, mas ao mesmo tempo prático, avesso à separação e “purificação” do saber, para ser científico, decorrente do formalismo predominante na modernidade. Portanto, a discussão acerca de temas afetos à IA poderá nos ajudar a repensar e compreender questões essenciais, também para nos orientar no Direito, como o que é o ser humano, como queremos viver, o que nós como sociedade entendemos como valores fundamentais para uma sociedade democrática e inclusiva.
Seria possível com a IA alcançarmos uma justiça e decisões judiciais mais imparciais, diante da mencionada característica de neutralidade das tecnologias? Quais os requisitos essenciais de uma justiça algorítmica? Como seria a elaboração de uma “ética 4.0”, relacionada com a ética como parte da razão prática, e também poética, para a regulação da IA?
Com a rápida aceleração tecnológica, de um lado diversos empregos e funções são substituídas pela Inteligência artificial, a exemplo de funções mentais repetitivas, como no caso de advocacia de massa, com trabalhos de assistentes jurídicos que se limitam a copiar e colar usando modelos de petições já pré-existentes. As atividades repetitivas e rotineiras já são substituídas em alguns escritórios que se utilizam de IA, como no caso do advogado artificial inteligente (ROSS), criado a partir do computador da IBM Watson, desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Toronto.
Por outro lado, surgem diversas novas áreas e especialidades estratégicas para o trabalho do jurista, devendo haver um prévio empoderamento tecnológico do jurista por meio de estudos específicos a fim de bem desempenhar tais novas funções, com destaque para: head de inovação; empreendedor em Lawtechs/Legaltechs; desenvolvedor de negócios em Lawtechs; gerentes de privacidade; dpos e especialistas em proteção de dados e big data; engenheiro jurídico; especialista em segurança cibernética; compliance pro; gerente de risco jurídico; proteção de ativos digitais; consultor de e-Discovery; analista de dados.
Como também aponta Kai-Fu Lee em aproximadamente 15 anos 40 % dos empregos serão substituídos por IA, contudo, as máquinas nunca serão criativas ou capazes de expressar empatia, o que será um diferencial aos profissionais humanos. Corrobora tal informação estudo realizado pela UNB apontando que 30 milhões de postos de trabalho poderão ser substituídos por máquinas e softwares no Brasil até 2026, sobretudo, aqueles tipicamente com funções rotineiras e não cognitivas, ao contrário de ocupações associadas a valores humanos como empatias, cuidado e interpretação subjetiva. Consultores jurídicos estariam na faixa percentual de 54% de chance de serem substituídos, já que as competências para a função envolveriam práticas facilmente automatizadas, como análise de documentação básica, com exceção da parte de interpretação das normas jurídicas e a utilização da criatividade. Michael Osborne da Universidade de Oxford aponta em seu artigo científico para o percentual de 47% dos empregos dos EUA que estariam comprometidos no futuro.
Com o Direito 4.0 típico da sociedade e do capitalismo de dados, e da revolução digital que os acompanha, e comprovando o impacto as novas tecnologias, em especial da IA (big data) em todos os setores da sociedade, o direito transformar-se a cada dia, aproximando-se das demais tecnologias distuptivas, sendo denominado de direito disruptivo.
A tecnologia é considerada um instrumento de transformação dos negócios, sendo que o conhecimento e a disrupção caminham juntos como bem aponta Steven Johnson em seu livro “Wher god ideas come from”.
Diversas áreas e funções de um departamento jurídico de uma empresa e de um escritório de advocacia estão sendo automatizadas, com algoritmos de IA produzindo petições e decisões judiciais automatizadas, a exemplo do conhecido sistema COMPAS utilizado em alguns estados dos EUA. Os advogados precisam se preocupar cada vez mais com o desenvolvimento, portanto, de capacidades que são tipicamente humanas e que jamais serão substituídas por robôs, tais como a criatividade e o pensamento crítico, os quais são considerados como um diferencial competitivo e de transformação digital.
É o que aponta Marta Gabriel aponta justamente enfatizando para a importância do pensamento crítico, o qual aproxima-se de certa forma da proposta de pensamento voltado para uma abordagem zetética muito mais do que apenas dogmática, ou seja, preocupada em pensar de forma interdisciplinar em múltiplas alternativas, mas não se fechar em dogmas como verdades absolutas e únicas respostas possíveis, ainda mais em tempos de contínua aceleração e modificação dos paradigmas. Uma necessária mudança cultural, educacional e de mindset será necessária, portanto. Neste sentido ao invés de uma ciência do Direito estrita, teríamos uma de forma mais completa, como propunha Theodor Viehweg ao se postular pela conjugação da dogmática com a zetética, considerando-se o próprio sistema jurídico como aberto, e não auto-suficiente, dependente da realidade sócio-cultural e com um fim específico, qual seja a concretização da dignidade humana de todos.
Para o profissional da Advocacia 4.0 será necessário desenvolver uma habilidade de administrador e estrategista, sendo crescente os desafios humanos no contemporâneo, como ressalva Patrícia Peck: ‘Na sociedade digital, o advogado tem de ser um estrategista (PINHEIRO, 2016, p. 563)”. Marta Gabriel (Você, eu e os robôs, pequeno manual do mundo digital), por sua vez aponta para a importância do pensamento crítico como um diferencial que jamais será substituído pelas máquinas.
Precisamos ser mais perguntadores, pois “o papel de responder é muito melhor desempenhado pelas máquinas. A resposta consolida e é ponto final. Nesse sentido, habilidades criativas, de questionamento e reflexão para fazer as melhores associações tornam-se cada vez mais essenciais”. (Ibiden, p. 28)
Precisamos ser cocriadores e nos adaptar às novas exigências e desafios que acompanham a transformação digital, envolvendo o constante estudo e atualização, e estudos que envolvam uma visão interdisciplinar, holística e crítica, indo além de abordagens apenas dualistas ou lineares. Para isso o pensamento crítico e a criatividade são essenciais, bem como reaprender a pensar e refletir, diante do ineditismo e da complexidade dos problemas na nossa sociedade atual, reconhecendo-se um caráter emancipatório do direito.
A fim de entender e aplicar corretamente as novas ferramentas digitais, bem como fornecer um serviço jurídico de qualidade é essencial o estudo das legislações afetas as novas tecnologias, como big data e inteligência artificial, com destaque para a LGPD, a Estratégia Brasileira de IA e o Marco Legal da IA no Brasil – PL 21-20, analisando sempre o direito comparado, além de temas atuais relacionados com a sociedade da informação, sociedade de dados e sociedade 5.0 (Japão), tais como segurança cibernética, segurança da informação, justiça digital, legal hacking, smart cities, smart contracts, criptomoedas, legal techs, lawagile (metodologias jurídicas ágeis), legal data science, legal design, litigation 4.0, envolvendo o desenvolvimento de novas habilidades denominadas de soft skils, voltadas para o contexto 4.0.
É essencial a análise e discussão acerca dos impactos da crescente utilização da Inteligência Artificial no campo das humanidades, analisando-se os pontos positivos e os negativos, as oportunidades e os desafios, conjugando-se o estudo teo'rico com casos práticos paradigmáticos e jurisprudenciais, bem como analisando-se o Direito comparado, como essencial na busca de uma ana'lise cienti'fica do Direito. Visa-se verificar como seria possível compatibilizar a boa governança digital, e a minimização ou regulação dos riscos por meio do Direito frente aos desafios crescentes da IA, de modo a na~o impossibilitar, por outro lado, a dina^mica da IA quanto à novas oportunidades, inovações e benefícios.