Gramatigalhas

Desconcerto do mundo?

Desconcerto do mundo? O professor José Maria da Costa esclarece.

28/10/2009

O leitor Samuel H. Queiroz envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:

"'Ao desconCerto do Mundo' de Luís de Camões. Vi na introdução de um informativo Migalhas a transcrição do poema de Camões com o título acima. Como pretendo colocá-lo, declamado, também na introdução de um samba que estou escrevendo, gostaria de fazê-lo corretamente. Pareceu-me que Camões pretendeu dar no poema a ideia de que o mundo precisaria de conSerto, com 'esse' e não com 'cê'. Poderiam esclarecer-me, pois, embora no samba a transcrição estará 'entre aspas', acredito que Camões não afrontaria a língua pátria. Peço desculpas pela minha ignorância também literária. Muito obrigado."

1) Um leitor narra que encontrou um poema de Camões com o título "Ao Desconcerto do Mundo" e lhe pareceu que o correto deveria ser desconserto, já que a idéia é que o mundo precisaria de reparo.

2) Veja-se, num primeiro aspecto, que, no campo da ortografia, as palavras que têm grafia e pronúncia parecidas, mas com sentidos diversos, denominam-se parônimas.

3) Isso se dá com diversos vocábulos: arrear (pôr arreio) e arriar (baixar, ceder); deferir (conceder) e diferir (diferenciar); delatar (denunciar) e dilatar (aumentar, prorrogar); eminência (elevação, altura, proeminência) e iminência (característica do que está prestes a acontecer); flagrância (estado do que é flagrante, do que ocorre no ato) e fragrância (perfume agradável); ratificar (confirmar) e retificar (corrigir).

4) Nesse mesmo rol se podem inserir concerto (acordo, ajuste, convenção, pacto) e conserto (remendo, reparo). Exs.: I) "Do concerto das vontades em litígio, extraiu-se uma minuta de acordo"; II) "Para muitos, aquela situação não tem conserto".

5) Há um conhecido poema de Camões, que tem por título "Ao desconcerto do mundo" com o seguinte teor: "Os bons vi sempre passar / No Mundo graves tormentos; / E para mais me espantar, / Os maus vi sempre nadar / Em mar de contentamentos. / Cuidando alcançar assim / O bem tão mal ordenado, / Fui mau, mas fui castigado. / Assim que, só para mim, / Anda o Mundo concertado."

6) Vejam-se os dois versos finais: "Assim que, só para mim, / Anda o Mundo concertado." A leitura nos faz entender que o que o poeta quer dizer, em suma, é que apenas para ele o mundo anda estruturado e, portanto, concertado.

7) Se, a par dessa conclusão, se pode extrair uma outra de que o mundo também precisa de remendo, de reparo e, portanto, de conserto, isso é outra questão, que não altera item algum do que já foi afirmado.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.