O leitor Mário Sampaio, do escritório Pellon & Associados Advocacia Empresarial, envia-nos o seguinte comentário:
"Prezado Professor José Maria da Costa, acompanho assiduamente as migalhas gramaticais, as quais invariavelmente pautam diversos salutares debates no escritório em que advogo. Ocorreu-me a seguinte dúvida, cuja solução clama por sua pena infalível: quando devemos usar as expressões "há muito" e "de há muito"? Há a diferença semântica entre ambas?"
1) O verbo haver, na acepção de tempo passado, às vezes entra na formação de frases adverbiais. Ex.: “O advogado entrou há pouco na sala de audiências”.
2) Em expressões adverbiais dessa natureza, haver não é visto como verbo, mas, sobretudo, como preposição, razão por que se lhe podem antepor de, desde e até, e isso, segundo o magistério de Napoleão Mendes de Almeida, por analogia com outras expressões como de então, desde ontem, até hoje.1
3) São, portanto, corretas, frases como as seguintes:
a) “Guarda integral viço, embora seja uma lei de há três décadas”;
b) “Desde há cinco anos, a ação já podia ter sido proposta”;
c) “Até há três anos, a mencionada lei ainda não vigorava”.
4) Também para Domingos Paschoal Cegalla, de há muito e de há pouco são “expressões da linguagem culta, referentes ao tempo passado”, de integral correção, acrescentando tal autor que, “em vez de muito e pouco, podem-se usar outras expressões de tempo”, como de há cem anos, de há três décadas, de há mil anos. Ex.: “Ouve pela última vez o rir que responde ao teu riso de há dez anos” (Alexandre Herculano).2
5) Vasco Botelho de Amaral, todavia, é do parecer de “que o de superabunda em giros fraseológicos como este”, motivo por que julga “mais correta a supressão daquele de, redigindo antes há muito”.3
6) A posição divergente ao gramático por último citado não muda o entendimento de que são corretas ambas as expressões – “há muito” e “de há muito” – assim como de que não há diferença de sentido entre ambas.
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1 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 133.
2 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 105-106.
3 Cf. AMARAL, Vasco Botelho de. Estudos Vernáculos. Porto: Editora Educação Nacional, 1939. p. 20.