Gramatigalhas

Aparando arestas - 1

Concordância verbal.

21/1/2009

Na coluna Gramatigalhas, foi publicado recentemente o verbete "Condena-se os excessos ou condenam-se os excessos?" (Migalhas 2.057- 7/1/09).

Após tal publicação, porém, houve alguns específicos comentários e dúvidas dos leitores.

1) "Acredito que houve omissão de uma importante palavra, que muda totalmente o sentido da frase. Na minha opinião, realmente o correto é 'Condena-se o excesso; Condenam-se os excessos'. Ocorre que a frase escrita por Millôr, conforme a própria colega escreve é 'Condena-se muito os excessos...'. Neste caso o advérbio 'muito' não é de quantidade, 'Condenam-se os muitos excessos cometidos pela P.F...' por exemplo. Acredito tratar-se de um advérbio de intensidade ressaltando o grau de condenação, de forma que o verbo deve ser posto no singular. Por exemplo: 'Sente-se muito as mortes em Israel...' Espero ter ajudado. Atenciosamente." (Ivã Augusto Fedulo, do escritório Martorelli e Gouveia Advogados)

2) "Ainda sobre a análise da citação do Millôr: 'Condena-se muito os excessos (...)'; onde a palavra 'muito' não foi considerada. Gostaria de saber do eminente professor se seria incorreto dizer: 'Muito se condena os excessos cometidos por determinados políticos'." (Oswaldo Melo Franco)

3) "Já faz muito tempo, mas acho que me lembro de ter sido ensinado que havia para o 'se' uma função de 'partícula de indeterminação do sujeito'. Assim, nas construções que o usassem, o verbo ficaria na terceira do singular, 'impessoal'. Exemplos seriam o tradicional 'vende-se' ou 'aluga-se casas'. O Millôr de 'condene-se os excessos' estaria certo... Cordialmente." (Antônio Augusto Penteado)

4) Vale a pena acrescentar outra consulta: "Prezado Professor José Maria da Costa: Qual a conjugação correta do verbo exigir na seguinte expressão, muito utilizada em acórdãos do Conselho de Contribuintes do Estado de Minas Gerais (CC/MG): 'Exigem-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada' ou 'Exige-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada'? Obrigado!" (Antonio L. Vela, da Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais).

5) E também se lembre esta outra: "Gostaria de saber se, na frase 'O material orgânico presente no lixo se decompõe lentamente, formando biogás rico em metano, um dos mais nocivos ao meio ambiente por contribuir intensamente para a formação do efeito estufa', a substituição de 'se decompõe' por é decomposto mantém a correção gramatical do período." (Honey da Silva Lopes, de Teresina, no Piauí).

1) Com a publicação do verbete "Condena-se os excessos ou Condenam-se os excessos?", alguns leitores trouxeram indagações suplementares. Adicionam-se dúvidas de outras oportunidades, porque também se enfeixam neste raciocínio:

I) – Se a frase proposta fosse "Condena-se muito os excessos", estaria ela correta?

II) – Em frases como "Vende-se casas" e "Aluga-se casas", o se não é partícula (ou símbolo, ou índice) de indeterminação do sujeito, situação essa em que o verbo deve ficar sempre no singular?

III) – A frase "O material orgânico... se decompõe lentamente", ao ser substituída por "O material orgânico... é decomposto lentamente", mantém a correção gramatical?

IV) – Qual o correto: "Exigem-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada" ou "Exige-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada"?

2) Comece-se com a observação de que, em uma frase como "Condena-se o excesso", em que há um se acoplado ao verbo, podem-se fixar as seguintes conclusões:

a) porque pode ser dita de outro modo – "O excesso é condenado" – tipifica ela uma frase reversível;

b) quando se comparam tais duas frases, o exemplo que tem o se está na voz passiva sintética, e o outro está na voz passiva analítica;

c) o se, em tais casos, chama-se partícula apassivadora (e não índice de indeterminação do sujeito);

d) o sujeito do exemplo dado na voz passiva sintética é o excesso (veja-se bem: sujeito, e não objeto direto).

3) Em continuação, quando se aplica a regra geral de concordância verbal do sujeito simples – o verbo concorda com o seu sujeito em número e pessoa – tem-se que, se o sujeito vai para o plural, o verbo também vai:

I) "Condena-se o excesso";

II) "Condenam-se os excessos".

4) Se, na frase "Condena-se o excesso", se acrescenta a palavra muito ("Condena-se muito o excesso", o raciocínio é o seguinte:

a) muito é um advérbio e tem a função de adjunto adverbial;

b) modifica ele o verbo (condenar) e indica a intensidade com que se dá a ação indicada pelo verbo;

c) sua função sintática é adjunto adverbial de intensidade;

d) como a regra básica de concordância verbal do sujeito simples é a de que "o verbo concorda com o seu sujeito", quando se adiciona ou se exclui outra palavra, tal circunstância não exerce interferência alguma na concordância verbal.

Vejam-se, portanto, os seguintes exemplos:

I) "Condenam-se muito os excessos" (correto);

II) "Condena-se muito os excessos" (errado).

5) Observe-se que a alteração da ordem dos termos da oração não lhes muda a função sintática:

I) "Muito se condena o excesso cometido por determinados políticos" (correto);

II)"Muito se condenam os excessos cometidos por determinados políticos" (correto);

III) "Condena-se o excesso cometido por determinados políticos" (correto);

IV) "Condenam-se os excessos cometidos por determinados políticos" (correto).

6) Anote-se também que, se a frase fosse "Condenam-se os muitos excessos...", a estrutura sintática não haveria de se alterar para as considerações aqui postas. E se veja que, no novo caso, muitos, que modifica excessos, não é um adjunto adverbial (não modifica verbo), e sim adjunto adnominal (modifica substantivo). E, assim:

I) "Sente-se muito a morte em Israel" (correto);

II) "Sentem-se muito as mortes em Israel" (correto).

7) E se realce – para fixar conceitos e também para responder adequadamente a uma das indagações – que, em todos os casos em que a frase é reversível (ou seja, naqueles casos em que ela pode ser transformada, como se deu com todas as que referimos até agora), o se é partícula apassivadora, e não símbolo de indeterminação do sujeito.

8) E se acrescente que, para a existência de um índice de indeterminação do sujeito, um dos elementos característicos é que, na prática, a frase não seja reversível, como se dá nos seguintes exemplos:

I) "Gosta-se de um bom vinho";

II) "Vive-se bem aqui". Ora, como é de fácil percepção, frases como "Alugam-se casas", "Vendem-se casas", "Condenam-se os excessos..." ou "Condenam-se muito os excessos..." não se enquadram em tal perfil de se como índice de indeterminação do sujeito, até porque são evidentemente reversíveis.

9) Também em adendo, vê-se que a frase "O material orgânico... se decompõe lentamente", como reversível que é, sem dúvida pode ser substituída por "O material orgânico... é decomposto lentamente". Porque reversível, aplicam-se-lhe as lições próprias de tal circunstância. E, lembrado o conceito de que voz ativa e voz passiva são duas maneiras sintaticamente diversas de dizer a mesma coisa, conclui-se que ambas estão igualmente corretas quanto à estruturação sintática.

10) Por fim, analisam-se, quanto à correção, os seguintes exemplos:

I) "Exige-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada";

II) "Exigem-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada".

11) Ora, se se dissesse apenas "Exige-se ICMS", o exemplo seria reversível: "O ICMS é exigido", motivo por que se aplicariam ao exemplo os itens próprios de frases dessa natureza. Em continuação, quando se diz "Exige-se ICMS, Multa ... e Multa...", vê-se que ICMS, Multa e Multa são os núcleos de sujeito composto. Ora, se o sujeito é composto, é regra normal de concordância que o verbo pode ir para o plural. Assim: "Exigem-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada".

12) E se acrescenta uma peculiaridade para o caso: há outra regra para a concordância verbal do sujeito composto: se o sujeito é composto e posposto ao verbo, este pode concordar com o plural ou com o núcleo mais próximo. Exs:

I) "Saiu o menino e a menina" (correto);

II) "Saíram o menino e a menina" (correto).

13) Aplicando-se tal regra ao caso concreto, são corretas as duas formas da consulta:

I) "Exige-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada" (correto);

II) "Exigem-se ICMS, Multa de Revalidação e Multa Isolada" (correto).

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.