Gramatigalhas

Restar

Verbo restar.

14/1/2009

O leitor Carter Gonçalves Batista envia-nos a seguinte mensagem:

"Prezada equipe Gramatigalhas, Indago se a expressão 'restou comprovado', e outras tantas que utilizam 'restou' para indicar a ocorrência de um fato pretérito, da forma amiúde utilizada em toda sorte de textos jurídicos e peças processuais, está correta do ponto de vista da mais refinada utilização da norma culta da língua portuguesa. Ainda que antecipadamente, agradeço."

1) Num primeiro aspecto, quanto à concordância verbal, é comum que o sujeito plural venha posposto a esse verbo, caso em que é preciso atenção, para não haver equívocos quanto à flexão deste último. Exs.: a) "Restava ainda alguns processos sem sentença" (errado); b) "Restavam, ainda alguns processos sem sentença" (correto); c) "Resta-lhe poucos familiares" (errado); d) "Restam-lhe poucos familiares" (correto).

2) Atento aos problemas daí advenientes, leciona Napoleão Mendes de Almeida que "a concordância se impõe com verbos que significam carência, falta, abastança, suficiência: Restavam apenas quinze mil homens".1

3) No que tange à regência verbal, não se encontra abono nos autores clássicos e nos gramáticos seu uso como verbo de ligação seguido de predicativo (com o sentido de ficar), construção frasal essa que se vem vulgarizando na linguagem forense, apesar de errônea. Ex.: "A acusação contra o réu não restou provada nos autos" (errado).

4) Nesse sentido, vale lembrar que, em suas indispensáveis obras sobre regência verbal, nem Francisco Fernandes, nem Celso Pedro Luft fazem menção à possibilidade da referida sintaxe.

5) Corroborando esse posicionamento, anota Geraldo Amaral Arruda que "nenhum dicionário da língua portuguesa registra (restar) como verbo de ligação".2

6) Lembrando que basta uma consulta aos melhores autores para se comprovar que tal sintaxe "não é Português", leciona Edmundo Dantès Nascimento que o verbo restar é empregado erradamente na linguagem forense, isto é, com predicativo do sujeito, em frases como "O decreto restou revogado".

7) Acrescenta tal autor que "a correção se faz com emprego de ficar, remanescer, substituir, conforme o caso".3

8) Pode-se acrescentar a esse ensinamento que mesmo o verbo ser pode ser empregado como auxiliar na voz passiva, evidenciando a ideia da ação verbal o sentido que se intenta obter com o predicativo: "O decreto foi revogado".

9) Reitere-se que, para evitar tal solecismo de sintaxe, basta, na maioria dos casos, adotar a construção passiva, quer sintética, quer analítica, sem o emprego do verbo restar, ou então usar o verbo próprio de ligação com o adequado predicativo do sujeito. Exs.: a) "Não se provou, nos autos, a acusação contra o réu" (correto - voz passiva sintética); b) "Não foi provada, nos autos, a acusação contra o réu" (correto - voz passiva analítica); c) "A acusação contra o réu não ficou provada nos autos" (correto - verbo de ligação mais predicativo do sujeito).

10) Apenas para ilustrar, é de se ver que Adalberto J. Kaspary, dedicado estudioso do emprego dos verbos nos textos de lei, - muito embora realce que uma construção como a discutida ("O decreto restou revogado") "tem trânsito cada vez mais livre na linguagem forense" - não conseguiu localizar um só exemplo abonador de tal emprego, assim nos diplomas legais do Brasil como nos de Portugal.4

___________

1 Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de.Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 278.
2 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 21.
3 Cf.NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 177.
4 Cf.KASPARY, Adalberto J. O Verbo na Linguagem Jurídica - Acepções e Regimes. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996. p. 307-308.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.