O leitor André Castello Branco Colotto, do escritório Castello Branco, Lobosco, Gama e Zambo Advogados, entendendo haver "uma questão gramatical interessante" em fragmento de uma das edições do Migalhas, remeteu o seguinte texto, em consulta ao festejado autor de Gramatigalhas:
"Os nomes próprios têm plural? Sim, têm, vide o clássico de Eça de Queiroz, 'Os Maias'. Então, o correto seria 'para os Mesquitas' no seguinte excerto do Migalhas?:
"Para os Mesquita, "os problemas éticos e jurídicos levantados pela regulamentação da Lei do Abate são muito maiores do que os benefícios que essa medida extrema pode trazer"."
1) Os nomes próprios – quer marcas, quer prenomes, quer sobrenomes – seguem as mesmas regras dos nomes comuns, no que concerne a sua flexão para o plural: os Alvins, os Andrades, os Cadilacs, os Josés, Os Maias, os Ômegas, os Rafaéis, as Ritas, os Sandovais.1 Exs.:
a) “As Madalenas, as Salomés, as Jacobes também se chamavam Marias” (Padre Antônio Vieira).
2) Vasco Botelho de Amaral traz, a esse respeito, lições de grande importância:
a) “constitui norma peculiar ao idioma francês a singularização de apostos formados por apelidos”;
b) “ao invés, em nossa língua, a tradicional regra impõe o uso do plural em tal caso”;
c) “por cópia criticável do francês, surge hoje amiúde na escrita portuguesa o emprego de apelidos no singular com referência a mais do que uma pessoa”;
d) “convém atentar no erro, observando os bons modelos”;
e) pelos motivos alinhados, lança tal autor uma advertência a um jornal que escreveu “irmãos Monteverde”, corrigindo a expressão para “irmãos Monteverdes”.
3) E traz ele exemplos significativos de Camilo Castelo Branco:
a) “Há aqui uns Queiroses e uns Magalhães que têm irmãs ajeitadas...”;
b) “...um rancho de senhoras de Freixo-de-Espada-à-Cinta, composto de sete famílias, a saber: as senhoras Travincas, as senhoras Belermas, as senhoras Ramires, as senhoras Crastos, as senhoras Gamboas, as senhoras Varejões e finalmente as senhoras Carrascos”.2
4) Atente-se, nesse sentido, ao interessante excerto do Padre José F. Stringari: “Ora bem, se os Ruis, os Herculanos, os Castilhos, os Bernardes, os Vieiras e os Camões, que são a flor de nossa língua, não se correram de subscrever tal torneio de linguagem, por que havemos de rejeitá-lo nós outros?”3
5) Cândido Jucá Filho lembra que Mário Barreto pluralizava normalmente tais nomes: “As Raquéis e Esteres”.4
6) Domingos Paschoal Cegalla esclarece que “a imprensa infringe freqüentemente essa norma”, mas “é tradição, na língua portuguesa, pluralizar os nomes próprios de pessoa, ou os antropônimos, seguindo-se as mesmas regras para a flexão dos substantivos comuns”. Exs.:
a) “Não se fazem Alexandres na conquista de praças desarmadas” (Machado de Assis);
b) “É impossível que os Monizes não fugissem de casa assim que principiou o fogo” (Camilo Castelo Branco);
c) “Há centenas de obscuros Josés e Joões reverenciados em nomes de ruas” (Moacir Werneck de Castro).5
7) Lembrando que em francês os nomes próprios não têm plural, e “lá se diz efetivamente les Balzac, les d'Arlincout, les Rousseau”, complementa Cândido de Figueiredo que, “em português, os nomes e apelidos pluralizam-se como os substantivos comuns: os Albuquerques, os Castros, as Soisas, as Sobrais, os Cabrais”.6
8) Na lição de Alfredo Gomes, os nomes próprios vão para o plural, “quando indicam famílias diversas ou membros diferentes da mesma família ou não”; e ele próprio dá os exemplos:
a) “os Fábios serviram bem a sua pátria”;
b) “Estes Albuquerques não têm entre si parentesco”.7
9) Para Cândido de Oliveira, os nomes próprios podem perfeitamente “receber flexão de plural: os Albuquerques, os Antônios, os Eças, as Esteres, os Oliveiras, as Raquéis, os Sênecas”.8
10) Para Vitório Bergo, os nomes próprios e as palavras substantivadas seguem geralmente as regras normais de flexão para o plural, segundo a sua terminação: os Castilhos, os Vieiras, os Juvenais, os Manuéis, os noves, os quereres, os ais”.9
11) Após observar que os nomes próprios se pluralizam (os Luíses, os Rauis, os Nélsons), devendo-se proceder identicamente com respeito aos sobrenomes (os Sousas, os Salazares, os Cabrais, os Nobéis), acrescenta Luiz Antônio Sacconi que “pode, tal prática, ser desagradável ao ouvido, mas nela é que está a correção”.
12) E remata tal autor que, “se os sobrenomes forem estrangeiros, com terminação estranha à língua, acrescentar-se-á somente um s, pois eles não estão sujeitos às regras do idioma: os Bopps, os Renans, os Beethovens, os Lincolns, os Kants, os Disneys, os Kennedys, etc. O que não se admite é dar variação apenas ao artigo: os Lincoln, os Kennedy, etc.”10
13) Já para Domingos Paschoal Cegalla, quando se tratar de “nomes estrangeiros com terminação estranha à nossa língua, ou se deixam invariáveis, ou se lhes acrescenta um s final”. Ex.:
a) “Os Kennedy (ou os Kennedys) notabilizaram-se pela política”;
b) “Era o velho continente que principiava a expiar a velha política, desalmada, mercantil e cínica, dos Napoleões, Metternichs e Bismarcks...” (Rui Barbosa).11
14) Em outra passagem de sua obra, Luiz Antônio Sacconi observa que “nomes próprios de família não sofrem metafonia”;12 vale dizer, a vogal tônica não sofre alteração de timbre em sua passagem para o plural: os Portos (ô), os Cardosos (ô), os Raposos (ô).
15) Após lembrar – com supedâneo na abalizada lição de A. Darmesteter – que “os próprios franceses já dão regularmente plural aos nomes próprios de pessoas”, observa Eduardo Carlos Pereira que “já são, portanto, um galicismo arcaico” as construções em que se pluraliza o artigo, mas se deixa no singular o nome próprio, como no seguinte exemplo de Montalverne, por ele próprio colhido: “Sempre na vanguarda dos combatentes o êmulo dos Antão e dos Pacômio”.13
16) Em um outro aspecto da questão, para Júlio Nogueira, se o nome é composto, apenas o último elemento varia (isso, se não houver preposição intermediária): os Almeida Prados, os Arruda Alvins, os Costa Pereiras, os Miguel-Ângelos (ou Miquelângelos), os Rui Barbosas (para indicar os mais inteligentes).14
17) Nessa situação, o ensino de Luiz Antônio Sacconi já é o inverso: “os nomes e sobrenomes compostos só têm o primeiro elemento pluralizado: os Júlios César, as Marias Antonieta, os Luíses Antônio, as Anas Maria, os Machados de Carvalho, os Aquinos de Sousa, os Almeidas Prado, os Arrudas Sampaio, etc”.15
18) Em terceiro ensino para tal situação, Vasco Botelho de Amaral traz exemplo de Camilo Castelo Branco, preconizando se pluralizem ambos os elementos: “...os filhos e netos dos Fragas Botelhos, dos Vieiras Cabrais...”.16
19) Também no sentido desse último ensino é a lição de Silveira Bueno, para quem os nomes próprios, quer prenomes, quer nomes de família, “são nomes e como tais podem ter plural como outros quaisquer”, razão pela qual – acrescentando tal autor que pensar o contrário “é engano manifesto e manifesto desconhecimento dos autores clássicos” – dá como plural de Gregório Magno os Gregórios Magnos.17
20) Ainda num outro aspecto, se há preposição intermediária, só se pluraliza o que vem antes dela: os Leites da Costa, os Costas de Albuquerque, “os Pereiras da Silva” (Camilo Castelo Branco).18
21) Nesse sentido é o exemplo de Ciro dos Anjos: “Os Ataídes de Azevedo são, na verdade, encantadores” (Ciro dos Anjos).
22) Sousa e Silva sintetiza deste modo a lição sobre o assunto:
a) os nomes próprios recebem normal flexão de número: os Antônios, os Ademires, os Rauis, as Raquéis, as Esteres, os Lucas, os Mateus;
b) também se flexionam normalmente os nomes próprios estrangeiros, “a que se acrescenta apenas s”: os Müllers, os Bréals (assim em Rui; não Mülleres nem Bréais), os Froebels (assim em Castilho; não Froebeis), os Lafers (assim em Oiticica; não Láferes);
c) em casos como Lima de Azevedo, com presença de preposição intermediária, “só se flexiona o primeiro termo”: os Limas de Azevedo;
d) “se não houver partícula, flexionam-se os dois vocábulos: os Costas Limas”;
e) “Lima e Silva deve fazer os Lima e Silvas, para que não se entenda os Limas e os Silvas”;
f) digna de registro é a flexão de Jornal do Comércio em Camilo Castelo Branco: “nos Jornais do Comércio de 6 de dezembro de 1871 e 27 de janeiro de 1872”.19
23) Acresça-se outro aspecto da ligação do já citado Luiz Antônio Sacconi no sentido de que, “quando os sobrenomes são compostos e aparecem ligados por e, flexionam-se ambos: os Coutos e Silvas, os Prados e Silvas, os Andradas e Silvas, etc.”20
24) Ante todos esses ensinamentos – já levando em consideração o vetusto princípio de que, na fundada divergência entre os gramáticos, há liberdade de emprego (in dubiis, libertas) – parece ser apropriado extrair as seguintes ilações em resumo:
a) os nomes próprios, os prenomes ou sobrenomes e as marcas seguem as mesmas regras dos nomes comuns quanto à flexão para o plural, quando formados por uma só palavra (Teresas, Costas, Ômegas);
b) se estrangeiros os nomes, com terminação estranha ao vernáculo, acrescenta-lhes um s (Lincolns, Kants, Kennedys);
c) não há alteração de som no plural, inexistindo, assim, o que tecnicamente se denomina metafonia: os Portos (ô), os Cardosos (ô);
d) quando o nome é composto por dois elementos, há exemplos abalizados de flexão apenas do primeiro elemento (Júlios César, Anas Maria), do segundo elemento (Almeida Prados, Rui Barbosas) ou de ambos (Vieiras Cabrais, Gregórios Magnos);
e) se há preposição intermediária, só se pluraliza o que vem antes dela: os Leites da Costa, os Costas de Albuquerque;
f) se os nomes aparecem ligados por e, flexiona-se apenas o último elemento (os Lima e Silvas) ou ambos (os Coutos e Silvas, os Prados e Silvas, os Andradas e Silvas).
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1 Cf. NOGUEIRA, Júlio. O Exame de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1930. p. 143.
2 Cf. AMARAL, Vasco Botelho de. Estudos Vernáculos. Porto: Editora Educação Nacional, 1939. p. 43-44.
3 Cf. STRINGARI, Padre José F. Canbenbo de Português. São Paulo: Editorial Dom Bosco, 1961. p. 8.
4 Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Índice Alfabético e Crítico da Obra de Mário Barreto. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1981. p. 92.
5 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. p. 283.
6 Cf. FIGUEIREDO, Cândido de. Falar e Escrever. 4. ed. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1941. vol. II, p. 160.
7 Cf. GOMES, Alfredo. Gramática Portuguesa. 19. ed. Livraria Francisco Alves, 1924. p. 82.
8 Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961. p. 141.
9 Cf. BERGO, Vitório, Consultor de Gramática e de Estilística. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zelio Valvende, 1943. p. 191.
10 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo, Editora Moderna, 1979. p. 34.
11 – Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999. p. 283.
12 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Op. Cit., p. 21, nota 172.
13 Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 292.
14 Cf. NOGUEIRA, Júlio. O Exame de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1930. p. 143.
15 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 35.
16 Cf. AMARAL, Vasco Botelho de. Estudos Vernáculos. Porto: Editora Educação Nacional, 1939. p. 44.
17 Cf. BUENO, Francisco da Silveira. Questões de Português. São Paulo: Saraiva, 1957. 2 vol, p. 343.
18 Cf. AMARAL. Op. Cit., p. 44, nota 178.
19 Cf. SILVA, ª M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 190.
20 Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 35.