Gramatigalhas

Emprestar

Uso do verbo emprestar.

24/9/2008

A leitora Raquel Olmos Bueno envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:

"Qual a forma correta de falar: 'Eu emprestei o carro do meu pai' ou 'eu pedi emprestado o carro do meu pai'? Obrigada."

1) Domingos Paschoal Cegalla, que vê em tal verbo apenas a acepção de ceder por algum tempo, gratuitamente ou não, entende que "não é bom português empregar este verbo na acepção de pedir ou tomar emprestado".1

2) Josué Machado também é do entendimento de que esse verbo apenas deva ser usado no sentido de dar por empréstimo, jamais tomar por empréstimo.

3) E acrescenta que "muita gente tropeça no uso do verbo emprestar, porque no coloquial dos quintais fala-se que 'o ministro emprestou dinheiro da empreiteira', com o significado evidente de que ele tomou, recebeu, abocanhou, recolheu, capturou um dinheirinho. Uso ruim do verbo e coisa feia para o ministro".2

4) Luciano Correia da Silva vê como erro comum "arranjar objeto indireto com de para este verbo, como na frase: 'Eu emprestei de fulano esta máquina'", mandando corrigi-la para "Tomei emprestada (ou de empréstimo, por empréstimo) esta máquina".3

5) Para Luiz A. P. Vitória, "este verbo empregado no sentido de pedir emprestado é galicismo", motivo por que, segundo ele, não se há de dizer "Emprestei um livro de Fulano", mas "Tomei emprestado um livro de fulano".4

6) Cândido Jucá Filho reputa brasileirismo seu emprego com o sentido de tomar por empréstimo, mas ele próprio traz significativo exemplos de abalizados autores pátrios com essa significação: a) "Então o doutor foi emprestar da doente a moléstia" (Taunay); b) "Usara do engenhoso expediente de emprestar da oração algumas palavras alusivas à sua posição" (José de Alencar).5

7) Silveira Bueno também apenas admite para tal verbo a possibilidade de uso quando o sujeito dele fizer a ação de dar alguma coisa a alguém, motivo por que "toda vez que o sujeito do verbo não fizer a ação, mas, ao contrário, recebê-la, não se poderá usar o verbo emprestar, e sim a expressão tomar ou pedir emprestado.6

8) Celso Pedro Luft tem a acepção de tomar ou receber por empréstimo, de pedir emprestado, na conta de construção popular.7

9) Com base em Cândido Jucá Filho, observa Francisco Fernandes que emprestar de corre em São Paulo em vez de tomar emprestado a. Exs.: a) "Paulo emprestou um livro a Martinho"; b) "Martinho emprestou um livro de Paulo".

10) E, lembrando a lição do Padre José Stringari, continua tal autor: "no sentido de pedir ou tomar emprestado, pedir de empréstimo, receber por empréstimo, é falar brasileiro dizer-se emprestar de alguém alguma coisa".8

11) Conforme designação de Mário Barreto, entretanto, trata-se de palavra bifronte, porque indica relações duplas, posições recíprocas, com sentido ora ativo, ora passivo.

12) Aires da Mata Machado Filho, que transcreve a lição do referido gramático, vê em tais vocábulos termos de significação ativa e passiva.9

13) Na primeira hipótese, significa dar por empréstimo. Exs.: a) "O proprietário emprestou o imóvel ao amigo"; b) "Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família" (CC/1916, art. 746).

14) No segundo caso, tem o sentido de receber por empréstimo. Ex.: "O réu emprestou o imóvel do proprietário amigo".

15) Em realidade, ante a divergência entre os gramáticos, o melhor é ampliar as possibilidades de uso da expressão, aplicando-se o vetusto princípio de que, na dúvida, há liberdade de uso (in dubiis, libertas).

16) Por outro lado, como se vê, o emprego adequado da preposição salva os equívocos que possam aparecer em tais casos.

17) Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade também têm tal verbo como portador de ambos os significados: fazer empréstimo e receber empréstimo.10

18) Regina Toledo Damião e Antonio Henriques também estão de acordo em que tal verbo é bifronte, vale dizer, assume o duplo aspecto tanto no sentido ativo de dar por empréstimo como no sentido passivo de receber por empréstimo.11

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1Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 137.
2 Cf. MACHADO, Josué. Manual da Falta de Estilo. 2. ed. São Paulo: Editora Best Seller, 1994. p. 209.
3Cf. SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. 1. ed. São Paulo: EDIPRO, 1991. p. 88.
4Cf. VITÓRIA, Luiz A. P. Dicionário de Dificuldades, Erros e Definições de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Tridente, 1969. p. 102.
5Cf. JUCÁ FILHO, Cândido. Índice Alfabético e Crítico da Obra de Mário Barreto. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1981. p. 64.
6Cf. BUENO, Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938. p. 68.
7Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 234.
8Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. reimpressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971. p. 265.
9Cf. MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Novas Lições de Português". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. São Paulo: co-edição Gráfica Urupês S/A e EDINAL - Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 1, p. 213.
10Cf. HENRIQUES, Antonio; ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 70.
11Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 234

 

 

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.