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Sumariíssimo ou sumaríssimo?

Confira o texto "Sumariíssimo ou sumaríssimo?"

7/5/2008

O leitor Lauro Santo De Camargo – que, além de músico e instrumentista de primeira grandeza, brilhou no Ministério Público de São Paulo alguns anos atrás – envia-nos a seguinte mensagem:

 

"Prezado José Maria. O que o prezado amigo tem a dizer do termo 'sumaríssimo' em vez de 'sumariíssimo' adotado pelo legislador de nosso Direito Processual?"

Sumariíssimo ou sumaríssimo?

1) Indaga um leitor se a forma correta do superlativo absoluto sintético de sumário é sumariíssimo ou sumaríssimo.

2) O motivo recente da discussão reside no fato de que o Código de Processo Civil, no art. 275 (Lei 5.869, de 11.01.73), falava em procedimento sumaríssimo. A Constituição Federal de 1988, no art. 98, I, rebatizou-o como procedimento sumariíssimo. E a Lei 9.245, de 26.12.95, que alterou dispositivos do Código de Processo Civil, em seu art. 3º, passou a chamá-lo de procedimento sumário.

3) Esclareça-se que, no campo do Direito, ao menos em tese, sumário "é a expressão usada para designar o processo em que tudo se faz com brevidade, ou em que tudo se resolve de plano, isto é, sem maiores indagações e sem a satisfação de formalidades usualmente dispostas para os processos comuns".1

4) J. Mattoso Câmara Jr. observa que o superlativo absoluto sintético é o grau mais intenso que um adjetivo pode assumir e especifica que, embora o sufixo básico no idioma seja íssimo, existe também a variante imo (humílimo, paupérrimo).

5) E acrescenta: "O português arcaico não possuía essa derivação para superlativos, que se estabeleceu, a partir do séc. XVI, por influência italiana".2

6) Para Rocha Lima, "a terminação geral do superlativo absoluto sintético é íssimo, a qual se junta ao radical dos adjetivos, na forma em que estamos acostumados a vê-los: fri(o) + íssimo = friíssimo; doc(e) + íssimo = docíssimo; nobr(e) + íssimo = nobríssimo".3 Para o caso analisado, o correto seria sumariíssimo.

7) Napoleão Mendes de Almeida, ao comentar outro adjetivo de mesma estrutura – sério – assim assevera: "O superlativo sintético é seriíssimo, com dois ii após o r".4 E não abre tal autor outra opção.

8) Já Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante bifurcam a lição:

I) "os adjetivos terminados em io não precedido de e formam o superlativo absoluto sintético em iíssimo" (sério – seriíssimo; necessário – necessariíssimo; frio – friíssimo);

II) os outros se formam com apenas um i (feio – feíssimo; cheio – cheíssimo).5

Essa lição, se aplicada ao caso, redundaria em sumariíssimo.

9) Evanildo Bechara, embora confirme essa última posição (seriíssimo, friíssimo, necessariíssimo, precariíssimo), e, por conseguinte, sumariíssimo, traz importante ensino para os dias atuais: "Tendem a fixar-se as formas populares... com um i apenas".6 Assim, para esse autor, também são aceitáveis seríssimo, necessaríssimo, sumaríssimo e semelhantes.

10) Outra não é a lição de Celso Cunha: "Em lugar das formas superlativas seriíssimo, necessariíssimo e outras semelhantes, a língua atual prefere seríssimo, necessaríssimo, com um só i".7

11) Abrangendo de modo específico o adjetivo ora considerado, resume Domingos Paschoal Cegalla que adjetivos com esse perfil "“assumem, no superlativo, a terminação regular –iíssimo ou a irregular –íssimo. Há preferência por essa última, por ser mais eufônica: sumaríssimo (em vez de sumariíssimo), seríssimo, primaríssimo, etc."8

12) Ante a diversidade de posições entre os gramáticos, o melhor é aplicar o princípio de que, na dúvida entre eles, prevalece a conduta mais liberal, que abarque ambos os ensinamentos ("in dubio pro libertate"), de modo que tanto se pode dizer procedimento sumariíssimo como procedimento sumaríssimo.

13) Apenas se observa que a primeira (sumariíssimo) é forma regular, que se harmoniza com as regras de derivação das palavras, enquanto a segunda (sumaríssimo) é forma irregular, que segue a eufonia e se plasma na lei do menor esforço. Esta lei tem grande influência no modo de pronunciar os vocábulos, ao longo do tempo, em nosso idioma, e se particulariza pelo emprego de modos mais simplificados de dicção.

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1Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio: Forense, 1989, vol. IV, 1. ed., p. 297.
2Cf. CÂMARA JR. J. Mattoso. Filologia e Gramática (Referente à Língua Portuguesa). Rio: J. Ozon Editor, s/d, 4. ed., p. 367.
3Cf. LIMA, Carlos Henrique Rocha. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Rio: José Olympio, 1972, 15ª edição, p. 94.
4Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave, Ltda., 1981, p. 297.
5Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Scipione, 1999, p. 261.
6Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974, p. 92.
7Cf. CUNHA, Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S.A., 1970, p. 122.
8Cf. CEGALLA. Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed., Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 384.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.