O leitor Anderson Pontoglio remeteu a seguinte mensagem:
"Tenho o Migalhas como leitura diária obrigatória. Como neófito advogado que sou, gosto muito de ler Gramatigalhas, com o Professor José Maria da Costa. Por isso, se possível, gostaria que o ilustre gramático me tirasse as seguintes dúvidas: ao ler questões que tratam sobre o instituto da intervenção de terceiros no processo, o Código Processual Civil fala em 'da denunciação da lide'. Porém, alguns profissionais usam as expressões 'denunciação à lide' (com crase); 'denunciação a lide' (sem crase); 'denunciação na lide'."
1) Instituto de Direito Processual Civil, a denúncia da lide, também conhecida como denunciação da lide, construções essas que têm o mesmo sentido e a mesma sintaxe, “é a forma reconhecida pela lei como idônea para trazer terceiro (litisdenunciado), a pedido da parte, autor e/ou réu, ao processo destes, visando a eliminar eventuais ulteriores ações regressivas, nas quais o terceiro figuraria, então, como réu”.1
2) Em termos de sintaxe, assim como se faz a entrega do pão ao consumidor, de igual modo se promove a denúncia da lide a alguém, tal como se registra no art. 70 do Código de Processo Civil, fato esse que se corrobora na rubrica da seção que encima o mencionado dispositivo.
3) Nesse caso, em termos gramaticais, o adjunto adnominal se constrói com a preposição de (da lide), e o complemento nominal se faz preceder pela preposição a (a alguém).
4) São errôneas, por conseguinte, as expressões denúncia à lide ou denúncia de alguém à lide, que alguns teimam em usar nos meios forenses.
5) Em oportuno acréscimo, Adalberto J. Kaspary observa que “há perfeita correspondência entre a regência do verbo denunciar e a do substantivo denunciação: em ambos os termos, indica-se claramente que a lide é denunciada a alguém”.2
6) Exemplos registrados por Francisco Fernandes evidenciam esse posicionamento: a coisa que é denunciada se faz reger pela preposição de; a pessoa ou entidade a quem se oferece a denúncia vem precedida pela preposição a. Exs.:
a) “Denúncia de contrabando; denúncia de conspiração” (Constâncio);
b) “Bando do Pavor... permitido pelo alto clero talvez (quem sabe?), com o fim de, à falta de denúncias à Inquisição, ser ele, uma vez no ano, o pelourinho andante das mais escondidas vergonhas” (Antero de Figueiredo).3
7) Esposa esse mesmo entendimento Celso Pedro Luft: “Denúncia de irregularidades ao governo”.4
8) Exemplo de correção, nesse sentido, é o Código de Processo Civil, o qual refere, em seu art. 70, caput, que “a denunciação da lide é obrigatória...”
9) Ante tais considerações, não parece ter respaldo algum na Gramática o posicionamento de Regina Toledo Damião e Antonio Henriques, os quais, muito embora sem explicação adicional alguma dos motivos de seu emprego e sem abono algum de autores abalizados, falam em denúncia à lide.5
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1 Cf. ALVIM NETO, José Manuel de Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1986. vol. II, p. 100.
2 Cf. KASPARY, Adalberto J. O Verbo na Linguagem Jurídica . Acepções e Regimes. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996. p. 130.
3 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos. 2. ed., 6. impressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1969. p. 125.
4 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Nominal. 4. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 151.
5 Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 46.