O leitor Leonardo Melo, da Procuradoria da República de Minas Gerais, envia ao autor de Gramatigalhas a seguinte mensagem:
"Afinal, qual o significado do tantas vezes repetido ‘Vistos etc.’? Por que o etc., e não apenas vistos?. Além disso, qual a forma correta? ‘Vistos, etc...’, ‘Vistos, etc.’ ou ‘Vistos etc.?"
E Moacyr Marques também indaga:
"Sou leitor do Migalhas há muito tempo e gostaria de perguntar ao Professor José Maria se antes de etc. se coloca vírgula. Este questionamento eu estou fazendo em função de propaganda veiculada pela TV Globo. Eu, como advogado, não colocava por entender que o 'e' de etc. é conjunção, portanto antes de conjunção não colocaria a dita vírgula."
Vistos etc. , vistos, etc... ou vistos, etc.?
1) Em outros tempos, as sentenças judiciais começavam com um cabeçalho mais ou menos redigido do seguinte modo: "Vistos e bem examinados estes autos de ação civil em que figura como autor..."
2) José Carlos Barbosa Moreira ensina que uma fórmula inicial como "vistos, relatados e discutidos estes autos...", em realidade, "pretende deixar certo que se cumpriram todos os trâmites necessários: os autos foram vistos – isto é, examinados – , deles se fez um relatório, e a matéria foi submetida à discussão do colegiado".1
3) Hélio Tornaghi lembra a origem da expressão: "O juiz antigo não estava obrigado a dizer as razões que o haviam levado a concluir de determinada maneira. Em Roma, a princípio, ele condenava escrevendo a letra D (de damo = condeno) e absolvia com a letra L (de libero = absolvo). Ainda na Idade Média, não se exigia a motivação da sentença. O juiz limitava-se a dizer: visto o processo, condeno. Ou absolvo ('viso processu condemnamus; viso processu absolvimus'). Fórmula que corresponde ao nosso 'vistos e examinados', mas à qual, hoje, acrescentamos a fundamentação".2
4) Nos dias de hoje, entretanto, um preâmbulo como esse não é essencial, mas dispensável, até por força da disposição constitucional que determina a obrigatoriedade de fundamentar as decisões judiciais (cf. CF/1988, art. 93, IX).
5) Além disso, fórmulas sacramentais como essa perderam a relevância de outros tempos, sobretudo porque a estrutura legal de uma sentença, na atualidade, exige o relatório como requisito essencial, além dos fundamentos e da parte final dispositiva (cf. CPC, art. 458).
6) E não é só: ficaria difícil imaginar o que, na atualidade, se quereria enfeixar no etc., certo como é que, pela estrutura hodierna de uma sentença, o juiz ainda não fez o relatório, que deverá constar no corpo do veredicto, nem discutiu com ninguém, pois ainda não se chegou ao cerne do julgamento. E ainda pioraria a situação, na hipótese de um julgamento de primeira instância, em que o juiz decide sozinho, de modo que não há mais ninguém com quem discutir.
7) De qualquer modo, por tradição das sentenças e pela força do hábito no jargão forense, a expressão perdura em uso, de modo que, para a hipótese de seu emprego, analisam-se, a seguir, seus aspectos de pontuação.
8) Veja-se por primeiro, nesse aspecto, que etc. constitui abreviatura da locução latina et coetera, que etimologicamente significa e as outras coisas, ou e as coisas restantes. Ex.: "Compareceram diversas pessoas do meio jurídico: juízes, promotores, advogados, etc."
9) Por já possuir, na origem latina, uma conjunção aditiva, é errado dizer e etc. Ex.: "Compareceram diversas pessoas do meio jurídico: juízes, promotores, advogados e etc." (errado).
10) Quanto à pontuação, a rigor, seria etimologicamente inconcebível o uso da vírgula antes do etc., exatamente por se considerar sua significação.
11) Anote-se, todavia, que o Formulário Ortográfico, expedido com força de lei pela Academia Brasileira de Letras em 1943, emprega a vírgula antes de etc., motivo por que, desse modo, a vírgula se torna obrigatória.
12) Em justificativa para essa posição, assim leciona Arnaldo Niskier: "A questão da vírgula antes do etc. é simples: deve ser usada! O argumento de que originalmente a palavra já contém o e (et) não vale, pois o que conta é o acordo ortográfico vigente, e, diga-se de passagem, já não falamos latim, mas sim português".3
13) Num outro aspecto, após o etc. usa-se o ponto indicador da abreviatura.
14) Não se devem usar as reticências (...) por uma razão simples: no caso, esse sinal de pontuação serviria para indicar que se suspende a discriminação de outros seres, mas essa suspensão, em última análise, já está implícita no próprio vocábulo etc.
15) Por fim, nada impede o uso de outros sinais de pontuação após o ponto indicador da abreviatura com o vocábulo etc. Ex.: "Vistos etc., em decisão para a ação principal e para a medida cautelar."
16) Para sintetizar, vejam-se os modos de grafia para a mencionada expressão, com as devidas indicações de sua correção ou erronia:
I) Vistos etc. (errado);
II) Vistos, etc. (correto);
III) Vistos etc... (errado);
IV) Vistos, etc... (errado).
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1-Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2001, Sétima Série, p. 287.
2-Cf. TORNAGHI, Hélio. Código de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1981, vol. 2, p. 171.
3-Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992, p. 35.
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