Gramatigalhas

Dentro em

20/6/2007

O leitor Sidou Miccione envia-nos a seguinte mensagem:

 

"Dr. José Maria da Costa, leio diariamente seus artigos e em todos sempre adquiro conhecimentos, meus parabéns. Mas a minha dúvida é quanto ao texto inserido na nova Lei Penal n.º 11.449, em seu artigo 1º, no § 1º do artigo 306, que diz '...Dentro em 24 h...' não seria Dentro de 24 horas? Obrigado."

1) Embora dentro de seja a construção mais comum na atualidade, João Ribeiro também justifica o emprego de dentro em, observando que esta última é a sintaxe mais freqüente nos autores antigos.1

2) Eduardo Carlos Pereira, sem restrições e até mesmo sem comentários adicionais, arrola tal expressão entre os exemplos de locuções prepositivas.2

3) Eliasar Rosa, em igual posicionamento, destaca que ela tem o mesmo quilate de vernaculidade que a locução dentro de, e observa que Rui Barbosa a defendeu em sua Réplica, com abundante exemplário colhido nos melhores escritores.3

4) Mário Barreto, de igual modo, registra que seu emprego "é boa linguagem portuguesa e dela usaram largamente os nossos clássicos, mas é um arcaísmo".4

5) Em estudo sobre a linguagem do literato Antônio Feliciano de Castilho, anota Vasco Botelho de Amaral: "ao Mestre lhe era preferida a regência em com a palavra dentro, regência essa que vimos já criticada e que provamos ser bem vernácula".5

6) Observando que Cândido de Figueiredo preferia dentro de a dentro em, anota Vasco Botelho de Amaral que, "nos antigos escritores, dentro em é mais usual, embora ambas as formas tenham o mesmo quilate vernáculo"; e lembra exemplos de abalizados autores, como Rui Barbosa, Camões, Padre Antônio Vieira e Antônio Feliciano de Castilho.6

7) Para o Padre José F. Stringari, que invoca as lições de Rui Barbosa e de João Ribeiro em abono do uso de ambas, "as duas formas coexistiram sempre uma de par com a outra, e uma a par da outra coexistem, sem motivo algum para que de qualquer delas nos despojemos ou a tenhamos por estranha".7

8) Acerca da possibilidade de seu emprego optativo, Antonio Henriques - enquanto observa que "dentro em deixou vestígios em dentro em breve e dentro em pouco" - transcreve definitiva lição de Rui Barbosa: "Dentro em escrevi e escrevo amiúde, sem todavia rejeitar a locução dentro de, de que igualmente uso".8

9) Heráclito Graça traz a lição adicional no sentido de que "dos clássicos anteriores a Frei Luís de Sousa não há um só que deixe de usar largamente da locução prepositiva dentro em e também dentro a"; mas acrescenta tal autor que "a locução prepositiva dentro a caiu em desuso".

10) Quanto a dentro em e dentro de, contudo, tal gramático anota que hoje "são simples variantes, e como tais constituem riqueza da língua. Às vezes uma é mais expressiva do que outra. E, se modernamente dentro de está mais generalizada, ninguém ainda se lembrou de proscrever a locução dentro em, que é muito usada, principalmente para exprimir a idéia de tempo".9

11) Para Edmundo Dantès Nascimento, ambas as expressões são igualmente vernáculas.10

12) Para Sousa e Silva, que reputa dentro em expressão legítima, equivalente a dentro de, a primeira locução, "atualmente, é mais usada em sentido temporal: dentro no prazo, dentro em oito dias...".11

13) O Código Civil de 1916 emprega usualmente a expressão dentro em:

a) "Essas testemunhas comparecerão dentro em 5 (cinco) dias ante a autoridade judicial mais próxima..." (art. 200, caput);

b) "... ouvidos os interessados, que o requererem, dentro em 15 (quinze) dias" (art. 200, § 1º);

c) "... esta nulidade se considerará sanada, se não se alegar dentro em 2 (dois) anos da celebração" (art. 208);

d) "O dote deve ser restituído pelo marido à mulher, ou aos seus herdeiros, dentro no mês que se seguir à dissolução da sociedade conjugal..." (art. 300);

e) "... o menor pode impugnar o reconhecimento, dentro nos 4 (quatro) anos que se seguirem à maioridade, ou emancipação" (art. 362);

f) "Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça dentro nele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo" (art. 1.166);

g) "... prazo razoável não maior de 30 (trinta) dias, para, dentro nele, se pronunciar o herdeiro..." (art. 1.584).

14) Já o Código de Processo Civil deu preferência a dentro de: "... depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não lhe atender o pedido dentro de dez dias" (art. 133, parágrafo único).

15) Observa-se fato curioso no art. 76, § 3°, da Lei 6.015, de 31.12.73, que dispôs sobre os registros públicos, que assim registra: "Ouvidos dentro em 5 (cinco) dias os interessados que o requererem e o órgão do Ministério Público, o juiz decidirá em igual prazo".

16) No texto originário, registrava-se a expressão dentro em, mas, na republicação, já com as modificações posteriores, no DOU de 16.9.75, constou dentro de.

17) Aponta-se o fato por curiosidade, sem objeção alguma a qualquer das expressões, já que ambas são igualmente corretas.

__________

1Cf. RIBEIRO, João. Gramática Portuguesa. 20. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1923. p. 208.

2Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 153.

3Cf. ROSA, Eliasar.Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1993. p. 54.

4Cf. BARRETO, Mário. Fatos da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1954. p. 184-185.

5Cf. AMARAL, Vasco Botelho de. Estudos Vernáculos. Porto: Editora Educação Nacional, 1939. p. 69.

6Ibid. p. 107-108.

7Cf. STRINGARI, Padre José F. Canhenho de Português. São Paulo: Editorial Dom Bosco, 1961. p. 9.

8Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 45.

9Cf. GRAÇA, Heráclito. Fatos da Linguagem. Rio de Janeiro: Livraria de Viúva Azevedo & Cia. – Editores, 1904. p. 138-140.

10Cf. NASCIMENTO, Edmundo Dantès. Linguagem Forense. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 93.

11Cf. SILVA, A. M. de Sousa e. Dificuldades Sintáticas e Flexionais. Rio de Janeiro: Organização Simões Editora, 1958. p. 100.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.