Gramatigalhas

Vírgula – Como usar com conjunções

O professor esclarece como usar vírgulas com conjunções.

29/3/2023
O leitor Leonardo Silva envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:

"Caro professor, ao redigir textos jurídicos, usamos muito as expressões 'bem como, assim como, vez que, haja vista, posto que, porquanto, etc'. Diante disso, vejo que algumas pessoas sempre escrevem essas expressões entre vírgulas, outras escrevem com uma vírgula precedendo a expressão e, em casos específicos, entre vírgulas. Entendo que escrevê-las entre vírgulas não é uma regra, mas sim exceção. Logo, qual a maneira correta de escrevê-las?"

1) Um leitor observa que, em textos jurídicos, tem visto o emprego frequente de algumas palavras e expressões: bem como, assim como, vez que, haja vista, posto que, porquanto. E tem notado que elas vêm, às vezes, entre vírgulas, às vezes com vírgula antes. E indaga qual a maneira correta de escrevê-las.

2) Antes de passar às observações específicas, façam-se algumas ponderações prévias importantes: (i) haja vista é uma locução verbal e tem como significado "que o leitor tenha a vista lançada", e, apesar de suas variações aceitáveis em termos de sintaxe, o melhor, para não errar, é utilizá-la invariável e seguida da preposição "a" ("[...] haja vista aos desafios enfrentados"; (ii) a expressão vez que não é correta, mas deve ser utilizada de modo completo (uma vez que), como na frase "O réu foi absolvido, uma vez que não era culpado"; (iii) a locução conjuntiva posto que sempre tem sentido concessivo (significando embora ou ainda que), e jamais causal (de modo que nunca tem o significado de porque).

3) Feitas essas anotações úteis para o emprego de tais palavras ou expressões, vê-se que as dúvidas do leitor são amplas e não formam um conjunto, de modo que não permitem uma sistematização adequada.

4) Tentando, todavia, responder ao que solicitou, fazem-se aqui algumas digressões que parecem oportunas.

5) A expressão haja vista é diferente das demais palavras e expressões, porque configura uma locução verbal, e normalmente vem numa segunda oração, separada, assim, por vírgula da primeira. Ex.: "O réu deve ser condenado, haja vista às robustas provas produzidas contra ele".

6) As demais palavras e expressões são conjunções ou locuções conjuntivas: bem como é aditiva; assim como é comparativa; uma vez que é causal; posto que é concessiva; e porquanto é explicativa. E, como a função da conjunção normalmente é iniciar uma segunda oração, vem esta, na maioria dos casos, precedida de uma vírgula para separá-la da primeira oração. Exs.: (i) "Fulano fez o trabalho, bem como o entregou a tempo ao professor"; (ii) "Ele nasceu em Portugal, assim como toda sua família"; (iii) "Ele não saiu de casa naquela noite, uma vez que a chuva era torrencial"; (iv) "O magistrado continuou a audiência, posto que fosse tarde"; (v) "Venha logo, porquanto preciso muito de sua ajuda".

7) Para ir um pouco mais além com o leitor, anota-se que, quando se intercala um termo na oração fora de sua ordem direta, ele virá entre vírgulas. Para ilustrar o que acontece, veja-se que, se for intercalada uma expressão após as conjunções dos exemplos anteriores, tal expressão há de ficar entre vírgulas, como é fácil perceber nos exemplos a seguir. Exs.: (i) "Fulano fez o trabalho, bem como, em seguida, o entregou a tempo ao professor"; (ii) "Ele nasceu em Portugal, assim como, nas décadas seguintes, toda sua família"; (iii) "Ele não saiu de casa naquela noite, uma vez que, além de muito fria, a chuva era torrencial"; (iv) "O magistrado continuou a audiência, posto que, malgrado todos os cuidados, fosse tarde"; (v) "Venha logo, porquanto, cansado, preciso muito de sua ajuda". E se veja que a própria expressão haja vista – como também nenhuma outra expressão – escapa a essa regra: “"O réu deve ser condenado, haja vista, depois de regularmente colhidas, às robustas provas produzidas contra ele".

8) Com todo esse quadro, importa realçar que o emprego da vírgula, por um lado, tem regras que precisam ser obedecidas; por outro lado, depende de uma série de circunstâncias, que também requerem cuidado e estrita observância. E uma diretriz geral (de que a ordem direta dispensa a vírgula) seguida de outra (as inversões e intercalações normalmente são marcadas por vírgulas) auxiliam muito na solução dos desafios que aparecem nesse campo.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.