Gramatigalhas

Latrocida?

A leitora Tricya Kerlly Justo envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas: "Prezados Senhores: Em artigo localizado através desse conceituado veículo de informação jurídica, deparei com a palavra 'latrocida' contida no texto. Por desconhecer o vocábulo, pesquisei no dicionário e não encontrei a palavra. Solicito, portanto, o auxílio dos responsáveis pelas 'Gramatigalhas' para, mais uma vez, sanar minhas dúvidas. Atenciosamente." O leitor Antônio Carlos de Martins Mello assim tentou sua explicação: "Alguém pergunta se há latrocida, que não encontra dicionarizado. É que a língua é algo vivo, que cria e recria segundo os princípios que adota ao longo da vida. O sufixo cida justifica, a meu ver, o latrocida, cognato de homicida, por exemplo, entre muitos outros substantivos legitimamente portugueses. É por certo algo impróprio, porque homicida é quem mata homem; latrocida não é quem mata ladrão, mas quem comete latrocínio... Vejamos, para ilustrar, o que diz o Houaiss: -cida é... 'pospositivo, do lat. -cida 'que mata, que corta, que deita abaixo' (como em homicída adj.s.2g., de homo,ìnis 'homem' + -cída), der. do rad. de caedo,is,cecídi,caesum,caedère 'cortar, deitar abaixo, imolar', com apofonia, ver ces- ; em comp. cultos do século XIV em diante, como: angüicida, animicida, apicida, bactericida, bernicida, calicida, carrapaticida, deicida, ervicida, feticida, filicida, formicida, fradicida, fratricida, fungicida, gaticida, germicida, herbicida, homicida, infanticida, inseticida, liberticida, loculicida ('que rompe, destrói os lóculos', em botânica), lumbricida, mariticida, matricida, microbicida, parasiticida, parricida, poricida, raticida, regicida, republicida, septicida, suicida, tauricida, tiranicida, uxoricida, vermicida; a partir de 1945, com a consagração da pal. genocida/genocídio, a série, até então fiel à vogal -i- lat. de ligação, passou a admitir também a gr. -o-: etnocida/etnocídio, ecocida/ecocídio, fitocida/fitocídio, geocida/geocídio, glotocida/glotocídio, zoocida/zoocídio; a emergência do fr. suicidaire (1901) ensejou pouco tempo depois o adj. suicidário, parcialmente sinônimo (como adj.) de suicida; suicidário passou assim a ser padrão potencial para com todos os casos aqui relacionados'."

25/4/2007

A leitora Tricya Kerlly Justo envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:

 

"Prezados Senhores: Em artigo localizado através desse conceituado veículo de informação jurídica, deparei com a palavra 'latrocida' contida no texto. Por desconhecer o vocábulo, pesquisei no dicionário e não encontrei a palavra. Solicito, portanto, o auxílio dos responsáveis pelas 'Gramatigalhas' para, mais uma vez, sanar minhas dúvidas. Atenciosamente."

 

O leitor Antônio Carlos de Martins Mello assim tentou sua explicação:

 

"Alguém pergunta se há latrocida, que não encontra dicionarizado. É que a língua é algo vivo, que cria e recria segundo os princípios que adota ao longo da vida. O sufixo cida justifica, a meu ver, o latrocida, cognato de homicida, por exemplo, entre muitos outros substantivos legitimamente portugueses. É por certo algo impróprio, porque homicida é quem mata homem; latrocida não é quem mata ladrão, mas quem comete latrocínio... Vejamos, para ilustrar, o que diz o Houaiss: -cida é... 'pospositivo, do lat. -cida 'que mata, que corta, que deita abaixo' (como em homicída adj.s.2g., de homo,ìnis 'homem' + -cída), der. do rad. de caedo,is,cecídi,caesum,caedère 'cortar, deitar abaixo, imolar', com apofonia, ver ces- ; em comp. cultos do século XIV em diante, como: angüicida, animicida, apicida, bactericida, bernicida, calicida, carrapaticida, deicida, ervicida, feticida, filicida, formicida, fradicida, fratricida, fungicida, gaticida, germicida, herbicida, homicida, infanticida, inseticida, liberticida, loculicida ('que rompe, destrói os lóculos', em botânica), lumbricida, mariticida, matricida, microbicida, parasiticida, parricida, poricida, raticida, regicida, republicida, septicida, suicida, tauricida, tiranicida, uxoricida, vermicida; a partir de 1945, com a consagração da pal. genocida/genocídio, a série, até então fiel à vogal -i- lat. de ligação, passou a admitir também a gr. -o-: etnocida/etnocídio, ecocida/ecocídio, fitocida/fitocídio, geocida/geocídio, glotocida/glotocídio, zoocida/zoocídio; a emergência do fr. suicidaire (1901) ensejou pouco tempo depois o adj. suicidário, parcialmente sinônimo (como adj.) de suicida; suicidário passou assim a ser padrão potencial para com todos os casos aqui relacionados'."

1) Em vocábulos como homicida, tem-se um primeiro radical (homo = semelhante) que se junta a outro radical (cida = aquele que mata).

2) Com idêntica formação, são palavras de uso corrente: bactericida, espermicida, fungicida, herbicida, inseticida, raticida.

3) Em determinados casos, o assassino acaba tendo denominação específica, conforme quem seja a pessoa que é morta: fratricida (que mata o irmão), infanticida (que mata um infante), mariticida (que mata o próprio marido), matricida (que mata a mãe), parricida (que mata o pai), regicida (que mata o rei), suicida (que mata a si próprio), uxoricida (que mata a própria esposa).

4) De modo específico para o vocábulo objeto da consulta (latrocida), uma primeira observação a ser feita é que, para que uma palavra possa ser tida como existente em nosso idioma, será preciso que conste no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, órgão esse que tem delegação legal para listar os vocábulos oficialmente existentes em nosso idioma. E, na hipótese vertente, uma consulta ao VOLP evidencia que ali não se registra tal palavra.

5) Uma segunda observação, a partir da consideração dos demais vocábulos com idêntica formação, é que, em tais palavras, o segundo radical é exatamente o alvo da morte. Ou seja: no caso, ainda que existisse o vocábulo latrocida, só poderia ele significar aquele que mata um ladrão, jamais aquele que comete um latrocínio.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.