Gramatigalhas

Rui Barbosa ou Ruy Barbosa?

Com a promulgação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, tem-se questionado qual é a melhor forma de grafar o nome de nosso jurista: se Rui Barbosa ou Ruy Barbosa. Lara Brenner Queiroz esclarece.

1/3/2023

1) Com a promulgação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, ocorrente em 29 de setembro de 2008, tem-se questionado qual é a melhor forma de grafar o nome de nosso jurista: se Rui Barbosa ou Ruy Barbosa.

2) Registre-se que, em sua certidão de nascimento, consta a grafia com y: Ruy Barbosa.

3) Como já esclarecido outrora nesta mesma coluna pelo brilhante professor José Maria da Costa, os nomes próprios sujeitam-se às regras normais de ortografia e de acentuação gráfica. Por isso se deve escrever Antônio, Uílson, Luís, Mateus, Rui, e não Antonio, Wilson, Luiz, Matheus ou Ruy.

4) Confirma-se na lei tal afirmação: o item XI, subitem 39, do Formulário Ortográfico da Língua Portuguesa – em instruções aprovadas unanimemente pela Academia Brasileira de Letras na sessão de 12.8.43 – assim determina: "Os nomes próprios personativos, locativos e de qualquer natureza, sendo portugueses ou aportuguesados, serão sujeitos às mesmas regras estabelecidas para os nomes comuns".

5) Esse mesmo Formulário prevê, no item II, subitens 9 e 10, o seguinte:

9. O y, que é substituído pelo i, ainda se emprega em abreviaturas e como símbolo de alguns termos técnicos e científicos: Y= ítrio; yd = jarda, etc.

10. Nos derivados de nomes próprios estrangeiros devem usar-se as formas que se acham de conformidade com a primitiva: byroniano, maynardina, taylorista, etc.

6) Observe-se que a Academia Brasileira de Letras detém delegação legal para definir a extensão de nosso léxico bem como as regras de escrita, acentuação e pronúncia dos vocábulos, de modo que sua palavra não significa mera posição ou opinião, mas é a própria lei a ser seguida; assim, qualquer outra discussão há de situar-se apenas no campo das polêmicas científica e doutrinária. Tendo a Academia aprovado unanimemente o Formulário em questão, não há dúvida quanto à sua legalidade.

7) Considerando a previsão expressa de substituição do y por i a partir da promulgação do referido Formulário, o nome do jurista passou a ser grafado Rui.

8) Em obediência à lei, registra-se que a Fundação Casa Rui Barbosa explica em seu site1:

[...] em respeito às Instruções para a Organização do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (12 de agosto de 1943) e à lei número 5.765, de 18/12/1971, que aprova alterações na ortografia da língua portuguesa, a Fundação Casa de Rui Barbosa não apenas grafa com "i" o nome de seu patrono, como orienta todos os que a consultam a fazer o mesmo.

9) É oportuno acrescentar proveitosa lição de Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante para a situação ora analisada: "A grafia dos nomes de todos os que se tornam publicamente conhecidos aparece corrigida em publicações feitas após a morte dessas pessoas".2

10) De Arnaldo Niskier também é lição nesse sentido: "Passando desta para a melhor, a norma é escrever seus nomes de acordo com as regras ortográficas", razão pela qual "um Antonio Luiz só o será em vida: depois da morte passará a ser, portuguesmente, Antônio Luís".3

11) Ocorre que, com a promulgação do Acordo Ortográfico em 29 de setembro de 2008, houve a inclusão expressa das letras k, w e y em nosso alfabeto, conforme Anexo I, Base I, art. 1º.

12) A partir de então, poder-se-ia cogitar o retorno da grafia original Ruy, a qual iria ao encontro da certidão de nascimento do polímata.

13) Encerrar-se-ia a questão aí, não fossem as restrições trazidas pelo próprio Acordo. Logo no art. 2º, lê-se o seguinte:

2º) As letras k, w e y usam-se nos seguintes casos especiais: 

a) Em antropónimos/antropônimos originários de outras línguas e seus derivados: Franklin, frankliniano; Kant, kantismo; Darwin, darwinismo; Wagner, wagneriano; Byron, byroniano; Taylor, taylorista; 

b) Em topónimos/topônimos originários de outras línguas e seus derivados: Kwanza, Kuwait, kuwaitiano; Malawi, malawiano; 

c) Em siglas, símbolos e mesmo em palavras adotadas como unidades de medida de curso internacional: TWA, KLM; K-potássio (de kalium), W-oeste (West); kg-quilograma, km-quilómetro, kW-kilowatt, yd-jarda (yard); Watt. 

14) Nota-se, pois, que o emprego de k, w e y é restrito: embora sejam agora letras oficiais de nosso alfabeto, não se pode cogitar, por exemplo, a criação livre de vocábulos que ostentem seu emprego.

15) Observando-se a alínea a, constata-se que apenas nomes próprios (chamados de antropônimos) originários de outras línguas e seus derivados podem se construir com k, w e y. O questionamento, portanto, é: seria Ruy um nome originário de qual língua? E como seria sua grafia original? Seria ela com y?

16) Em breve pesquisa, percebe-se que a sugestão mais frequente é tratar-se de forma reduzida de Roderick, de origem germânica, adaptado do latim Rodericus. Essa informação, no entanto, não parece 100% segura, já que o nome, segundo dicionário da Porto Editora, "já existente em Portugal no século XIII, embora fosse muito mais antiga noutros pontos da Península Ibérica"4. Tamanho hiato temporal faz suscitar alguma desconfiança.

17) De toda maneira, caso se considere correta essa origem, não há razão para grafar o nome com y. Por outro lado, se considerarmos a fonte incerta, a conclusão será a mesma: não existe razão para se grafar o nome com y, uma vez que, sem a certeza da procedência, muito mais sentido faz manter a grafia vernacular condizente com nossa lei.

18) Em resumo, diante da situação, tem-se o seguinte: mesmo depois da promulgação do Acordo Ortográfico de 2008, após a morte do jurista, deve-se grafar Rui Barbosa de Oliveira, apesar de sua certidão fazer constar Ruy.

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1 Disponível aqui. Acesso em 26 de fevereiro de 2023.

2 Cf. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Scipione, 1999, p. 42.

3 Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992, p. 45.

4 Disponível aqui.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.