Ene Maia Timo envia-nos a seguinte mensagem:
"'Venda à vista', ou 'venda a vista'? Se digo 'venda a prazo', e não 'venda ao prazo', fiquei em dúvida. Luzes, por favor..."
1) Normalmente, diz-se haver crase quando se fundem duas vogais idênticas. Nos casos que despertam maior problema, um a (preposição) se encontra com outro a (artigo, pronome ou o início do pronome demonstrativo aquele, aquela, etc.). Seu símbolo é o acento grave. Exs.:
a) "Vou à cidade" (preposição + artigo);
b) "Esta situação é semelhante à anterior" (preposição + pronome);
c) "Dediquei-me àquela tarefa" (preposição + início do pronome aquele ou similar).
2) Esclareça-se, por oportuno: o acento não é a crase, mas apenas o indicador de que ali ocorreu esse fenômeno. Por isso, o usuário não emprega a crase, mas o acento que representa sua ocorrência. Porém, por facilidade, costuma-se dizer que se "usa a crase", e não que se "usa o acento indicador de ocorrência do fenômeno da crase”, embora tal seja tecnicamente o que ocorre.
3) É óbvia a afirmação de que, por via de regra, o acento indicador da crase tem sua razão de ocorrência, e já se agruparam regras para a crase obrigatória, crase proibida, crase facultativa...
4) No que interessa para o caso da consulta, todavia, há um caso excepcional, em que não se usa a crase por motivos técnicos, e seu acento indicador não reflete a existência de uma contração de vogais idênticas, mas ele é utilizado apenas para evitar a ambigüidade, a duplicidade de sentido.
5) Assim, escreve-se:
I) "Matar à fome" (deixar sem comer) para diferenciar de “Matar a fome” (dar de comer);
II) "Receber à bala" (receber atirando) para diferenciar de "Receber a bala" (ganhar uma guloseima);
III) "Pintar à mão" (pintar com a mão) para diferenciar de "Pintar a mão" (passar tinta na mão);
IV) "Cheirar à gasolina" (exalar o cheiro de gasolina) para diferenciar de "Cheirar a gasolina" (aspirar o cheiro da gasolina).
6) Em todos esses casos, uma análise técnica demonstra que não existe o fenômeno da crase, e a justificativa de seu emprego se explica exclusivamente pelo argumento de afastar a ambigüidade, a duplicidade de sentido.
7) É também desse rol um exemplo como "Venda à vista" (venda em parcelas), em que também se dá a inexistência de motivos técnicos para crase, e basta a substituição por um substantivo masculino para verificar essa realidade: "Venda a prazo" (e não Venda ao prazo). Mas, analisando melhor o exemplo "Venda a vista", vê-se como possível a ambigüidade, por se poder entender vista como substantivo e alvo da própria venda.
8) Em outras palavras: é de fácil percepção a possibilidade de duplo sentido na expressão. Daí a justificativa para uso da crase, que – repita-se – não é empregada por motivos de técnica e de real existência de duas vogais idênticas, mas apenas e tão-somente para evitar ambigüidade.