1) Um leitor indaga se é permitido usar pois no início de períodos. E exemplifica com o seguinte texto: "Contudo, a Revolução de Outubro teve repercussões muito mais profundas e globais que sua ancestral. Pois se as ideias da Revolução Francesa, como é hoje evidente, duraram mais que o bolchevismo, as consequências práticas de 1917 foram muito maiores e mais duradouras que as de 1789".
2) Antes de enfrentar o desafio proposto pelo leitor, é preciso observar que uma discussão antiga busca saber, num primeiro aspecto, se, com a conjunção pois, a vírgula vem antes, depois, ou antes e depois.
3) Vejam-se os seguintes exemplos: a) "Esconda-se, pois alguém se aproxima"; b) "Era um aluno de caráter; foi, pois, um professor exemplar".
4) Em ambas as orações, pois é uma conjunção, porque une duas orações: no primeiro caso, por ter o significado de porque, é uma conjunção coordenativa explicativa; no segundo caso, tendo como sinônimas logo, portanto, e, assim, é uma conjunção coordenativa conclusiva.
5) Ora, fixe-se, em tese, uma regra geral, com dois aspectos importantes (embora comporte ela diversas observações e exceções): a) o lugar normal de uma conjunção é o início de uma segunda oração; b) como as orações normalmente se separam por vírgulas, é comum que haja vírgula antes da conjunção.
6) Fixada essa ponderação como premissa e voltando a raciocinar com os exemplos acima citados, pode-se dizer que, quando o pois é uma conjunção coordenativa explicativa ("Esconda-se, pois alguém se aproxima"), podem-se extrair as seguintes ilações: a) nesse caso, a conjunção começa a segunda oração; b) como a regra é que as orações sejam separadas por sinal de pontuação, normalmente há uma vírgula ou ponto e vírgula antes do pois; c) como, em continuação, por via de regra, o texto segue em ordem direta (e a regra diz que não há vírgula na ordem direta), usualmente não se põe vírgula após o pois. Exs.: i) "Espere um pouco, pois ele não demora"; ii) "Não tenha medo, pois eu não mordo"; iii) "Fale mais alto, pois eu também quero ouvir".
7) Já quando o pois é uma conjunção coordenativa conclusiva ("Era um aluno de caráter; foi, pois, um professor exemplar"), observações diversas podem ser feitas: a) nesses casos, a regra é que o pois não começa a segunda oração, mas vem posposto a um outro termo dela; b) normalmente já haveria um sinal de pontuação antes desse outro termo, porquanto ele inicia a segunda oração; c) além disso, especificamente quanto ao pois, o certo é que ele se intercala entre outros termos da oração, e, como se dá com as intercalações de um modo geral, deve ela ser marcada por vírgulas antes e depois. Exs.: i) "Tinha dois anos; era, pois, muito pequeno"; ii) "Você foi injusto com o amigo; deve, pois, desculpar-se"; iii) "É um bom filho; será, pois, um bom pai".
8) Voltando, após essas premissas, ao caso da consulta, é preciso dizer que, por conta das questões que surgem nos casos já analisados, acabam por vir outras dúvidas em outras hipóteses que não mantêm relação alguma com o que já foi dito.
9) Diante disso, importa frisar que pois pode ter outros significados e exercer outras funções. Dentre elas, pode ter o conteúdo semântico de uma conjunção coordenativa adversativa, com o significado de mas, porém, contudo, todavia, entretanto: (i) "Você está tranquilo? Pois eu estou na maior ansiedade"1; (ii) "—Estou muito bem de vida! – Pois eu, meu caro, ando na miséria!".2 E, como se vê, nesses casos, não há impedimento algum a que tal vocábulo inicie frases, com sua utilização logo após um ponto.
10) Além disso, também pode iniciar uma frase, quando seu significado for pois então ou ora. Ex.: "Seu companheiro o enganou? Pois rompa com ele!"3
11) E esse último caso é exatamente um exemplo paralelo à dúvida trazida pelo leitor.
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1 HOUAISS, Antônio (Organizador). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 2.246.
2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 1.663.
3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 5. ed. Curitiba: Positivo, 2010, p. 1.663.