1) Um leitor traz interessante questão sobre obséquio e subsídio: não lhe parece certo exigir uma única pronúncia para uma palavra, quando outra é muito usual. Por acaso – diz ele – não pronunciamos em São Paulo uma espécie de 'gi' em vez de 'de', uma espécie de 'chi' em vez de 'te'? Se fosse obrigatório sempre refletir na fala a escrita, diríamos 'obcéquio' em vez de 'obzéquio', como se admite correto para obséquio.
2) Ora, a fala do português (assim como de qualquer idioma) não é uniforme, quer quanto à entonação da frase, quer mesmo quanto à pronúncia dos vocábulos. Por isso, numa roda de representantes de todas as regiões de nosso País, facilmente se distinguirá alguém da região nordeste ao se lhe pedir que diga poder e academia; também se reconhecerá um sulista ou um paulistano tradicional apenas por pronunciar leite quente; um paranaense se condenará ao dizer titia; e um interiorano de São Paulo será identificado sem maior dificuldade, apenas por pronunciar porta aberta.
3) É o que se denomina sotaque, que é a pronúncia característica de uma região ou de um país. Isso, contudo, é bem diverso de pronunciar de modo correto os vocábulos na conformidade com as regras do idioma.
4) Considerando as dúvidas trazidas pelo leitor e começando pela palavra obséquio, pode-se dizer que, na Gramática tradicional, costuma-se ensinar que a regra é que o s apenas tem som de z entre duas vogais, mas permanece com o som de s entre uma consoante e uma vogal.
5) E também se ensina que a exceção a essa regra fica para o prefixo trans, quando se une a vocábulo iniciado por vogal, situação em que o s adquire som de z: transamazônico, transeunte, transitório, transoceânico.
6) Mesmo para o prefixo trans, porém, é preciso cuidado, porque, se ele se une a palavra já começada por s, a pronúncia resultante é de s, e não de z, independentemente dos aspectos gráficos das palavras: transecular (trans+secular), transiberiano (trans+siberiano), transubstanciação (trans+substanciação).
7) Apesar de a regra ser exatamente a exposta nas considerações anteriores, ocorre, porém, que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, no site da Academia Brasileira de Letras, ao registrar o vocábulo obséquio, traz, entre parênteses, a pronúncia com z, e não com s), o que constitui uma segunda exceção à referida regra. A pronúncia oficial desse vocábulo, portanto, é obzéquio, e não obcéquio.
8) Já para subsídio, o site da ABL registra entre parênteses a pronúncia si. Sua pronúncia oficial, portanto, é subcídio.
9) Com esse quadro, nunca é demais lembrar que a autoridade para listar as palavras oficialmente existentes em nosso léxico, bem como sua grafia e sua pronúncia, está com o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, órgão esse que tem a responsabilidade legal de controlar nosso vocabulário existente, em cumprimento à velha Lei Eduardo Ramos, de n. 726, de 8/12/1900, bem como em obediência a diversos diplomas confirmadores posteriormente editados.
10) E, assim, se o VOLP determina um modo de pronunciar, esse há de ser tido como o oficial e legal, de modo que qualquer polêmica que se queira travar fica no campo da discussão científica. É o mesmo, aliás, que se dá com qualquer lei: pode-se discutir sua necessidade, sua adequação e diversos outros aspectos; mas a ela se deve prestar obediência, a menos que seja inconstitucional. Como se vê, não se trata de mera questão de sotaque, mas de pronúncia efetiva, que independe de outros aspectos.
11) Apenas para ilustrar em mesma esteira, são efetivos erros em nosso idioma, e não apenas questão de sotaque ou pronúncia, os seguintes vocábulos: púdico, rúbrica, ruim (ú). Diga-se e escreva-se corretamente: pudico (i), rubrica (i), ruim (i).