Gramatigalhas

Fazer valer ou Fazer valerem

Fazer valer ou Fazer valerem? O Professor explica.

24/8/2022
O leitor Thiago Castro envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:

"Qual a grafia correta da seguinte expressão: 'Fazer valer as regras' ou 'Fazer valerem as regras'?"

1) Um leitor indaga qual a forma correta de se dizer e escrever: "'Fazer valer as regras' ou 'Fazer valerem as regras'?" Em realidade, trata-se do tormentoso assunto de emprego do infinitivo, ora pessoal e flexionado, ora impessoal e não flexionado.

2) Para facilitar a análise, já que o exemplo se apresenta incompleto, procede-se a uma pequena alteração no texto, sem que haja modificação no plano sintático: "Ele fez valerem as regras". E, como valerem está no infinitivo (o que caracteriza uma forma reduzida de oração), vamos estender um pouco mais, para desaparecer o infinitivo e facilitar a compreensão: "Ele fez que valessem as regras".

3) Com a estrutura do exemplo assim definida, podem-se extrair as seguintes ilações, que são importantes para o raciocínio que aqui se pretende seguir: (i) contrariamente à aparência inicial, fazer valer não é uma locução verbal, mas cada verbo pertence a uma oração distinta; (ii) "Ele fez" é a oração principal; (iii) "que valessem as regras" é a oração subordinada, que funciona como objeto direto da primeira oração, motivo por que se chama oração subordinada substantiva objetiva direta.

4) Com base nessas ilações como premissas, Silveira Bueno traz duas lições. Por um lado, nesses casos, "quando os dois verbos possuem sujeitos diferentes, usa-se o modo pessoal". Ex.: "Napoleão viu caírem as armas das mãos de seus soldados". Por outro lado, "quando a frase do infinito serve de objeto ao verbo principal, podemos empregar o infinito impessoal ainda que ambos tenham sujeitos diferentes". Ex.: "Napoleão viu cair as armas das mãos de seus soldados".1  Vale dizer que, em tal caso, em última análise, é optativa a flexão do infinitivo.

5) Voltando ao exemplo trazido pelo leitor, que se encaixa com perfeição nas considerações acima postas: (i) "Ele fez valer as regras" (forma correta); (ii) "Ele fez valerem as regras" (forma correta).

6) Importa acrescentar que as mesmas observações acima feitas valem para quatro verbos, quando se encontrarem em construções similares: ver, fazer, mandar e deixar. Observem-se, portanto, os seguintes exemplos, todos corretos quanto à sintaxe vernácula: (i) "A queda do dólar viu disparar as vendas de moedas estrangeiras"; (ii) "A queda do dólar viu dispararem as vendas de moedas estrangeiras"; (iii) "A queda do dólar fez disparar as vendas de moedas estrangeiras"; (iv) "A queda do dólar fez dispararem as vendas de moedas estrangeiras"; (v) "A autoridade monetária mandou disparar as vendas de moedas estrangeiras"; (vi) "A autoridade monetária mandou dispararem as vendas de moedas estrangeiras"; (vii) "A autoridade monetária deixou disparar as vendas de moedas estrangeiras"; (viii) "A autoridade monetária deixou dispararem as vendas de moedas estrangeiras".

7) Por fim, resguardados certos parâmetros mínimos de correção e de bom-senso, o certo é que, diante das dificuldades encontradas nesse campo bem como da diversidade de posicionamentos entre os estudiosos do idioma, vale trazer à colação a frase de José Oiticica, de que Aires da Mata Machado Filho lamentou não ter sido o autor, restando-lhe apenas a satisfação de repetir: "Mandem os gramáticos às favas e empreguem o infinitivo à vontade".2

__________

1 BUENO, Francisco da Silveira. Português pelo Rádio. São Paulo: Saraiva & Cia., 1938, p. 96-100.

2 MACHADO FILHO, Aires da Mata. "Novas Lições de Português". In: Grande Coleção da Língua Portuguesa. São Paulo: coedição Gráfica Urupês S/A e EDINAL — Editora e Distribuidora Nacional de Livros Ltda., 1969. vol. 1, p. 324.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.