Gramatigalhas

Que ou De que?

Que ou De que? O professor José Maria da Costa responde a questão.

25/5/2022

O leitor Newton Silveira envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:

"Acerca da evolução ou involução da Língua Portuguesa entre os jornalistas, gostaria de que comentasse um vício que é comum aos jornalistas e membros do Congresso: o uso indiscriminado do de que em objetos diretos, como 'eu penso de que'."

1) Um leitor pede que se comente um vício comum entre jornalistas e membros do Congresso, que é o uso indiscriminado do de que em objetos diretos, como 'eu penso de que'.

2) Vejam-se os seguintes exemplos: (a) "Eu noto seu semblante triste"; (b) "Eu imagino uma história complicada"; (c) "E declaro minha opinião".

3) É perceptível que os verbos notar, imaginar e declarar são transitivos diretos, de modo que pedem complementos sem preposição, de modo que não é normal que alguém erre os exemplos, dizendo-os do seguinte modo: (a) "Eu noto do seu semblante triste"; (b) "Eu imagino de uma história complicada"; (c) "E declaro de minha opinião". Não faz o mínimo sentido pensar em expressar-se desse modo.

4) Pois bem. Imaginem-se, na sequência, os seguintes exemplos, já mais complexos: (a) "Eu notei que seu semblante estava triste"; (b) "Eu imaginei que haveria por trás uma história complicada"; (c) "Eu declaro que você está alterado".

5) Nesse caso, muito embora o complemento desses verbos seja uma oração inteira, nem por isso eles deixam de ser transitivos diretos. Por isso continuam sendo construídos sem preposição, razão pela qual estão errados os seguintes exemplos: (a) "Eu notei de que seu semblante estava triste"; (b) "Eu imaginei de que haveria por trás uma história complicada"; (c) "Eu declaro de que você está apavorado".

6) Mas é preciso observar que esse acréscimo da preposição de com verbos transitivos diretos, embora errado, é bastante comum em discursos que primam mais pelo tom de voz e pela pompa do que pelo conteúdo e pela correção do vernáculo. Por isso é preciso corrigi-los.

7) Para tanto, vale a pena trazer aqui a precisa observação de Eliasar Rosa para essa situação: "Há uma forma de errar muito curiosa nas sustentações orais, ou em discursos forenses, ou parlamentares. Consiste ela em usar-se a preposição de com verbos que não a exigem. Exemplos: 'O Dr. Promotor afirmou de que o réu matou por motivo fútil; entretanto a defesa vai demonstrar de que isto não é verdade, pois o que está provado, nos autos, é de que o réu matou impelido por relevante valor social...' Ora, os verbos afirmar, demonstrar, provar não se constroem com a preposição de. Logo o certo seria: 'O Dr. Promotor afirmou que...; entretanto a defesa demonstrará que..., pois está provado que...'".1

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1 ROSA. Eliasar. Os Erros Mais Comuns nas Petições. 9. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1993, p. 54-55.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.