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Via angusta – O que é isso?

Via angusta – O que é isso?

6/4/2022
O leitor Herbert José Brito de Freitas envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:

"Gostaria de tirar uma dúvida com o Dr. José Maria da Costa, que é mais uma ratificação daquilo que já ouvi falar. É verdade que antigamente, na capa dos processos que deviam ser deliberados com urgência, de importância maior, como o HC e MS com pedido de liminar, vinha escrito 'via angusta' (em itálico, claro), para dizer que o juiz teria que resolver logo, e era uma situação realmente angustiante, de estreiteza, de desconforto no peito? Soube que o serventuário, por vezes, riscava o nome angusta e colocava augusta (venerável), pensando ser para o Presidente do Tribunal ou Diretor do Fórum. Grato, desde logo".

1) Um leitor envia mensagem, que pode ser dividida nos dois seguintes itens: (i) é verdade que antigamente, na capa dos processos que deviam ser deliberados com urgência, de importância maior, como o habeas corpus e o mandado de segurança com pedido de liminar, vinha escrito 'via angusta' (em itálico claro), para dizer que o juiz teria que resolver logo, e era uma situação realmente angustiante, de estreiteza, de desconforto no peito?; (ii) e é verdade que o serventuário, por vezes, riscava o nome angusta e colocava augusta (venerável), pensando ser adjetivo destinado a saudar o Presidente do Tribunal ou o Diretor do Fórum?

2) Ora, em latim, existe o adjetivo angustus, que vem para o português com o mesmo sentido que tinha no idioma original, de apertado, estreito. Com essa acepção, já desde os tempos dos romanos, vem o brocardo "ad augusta per angusta" (aos [lugares] elevados pelos [caminhos] apertados), locução latina essa a significar que se chega "a resultados sublimes por veredas estreitas".

3) Em português, há diversas palavras que provêm desse mesmo radical, como o substantivo angústia (um verdadeiro aperto no coração), o verbo angustiar (que traz a ideia de apertar, comprimir ou restringir internamente), os adjetivos angusto, angustiado e angustiante (que envolvem o sentimento de aflição e tormento), angustifólio (vegetal que tem folha estreita) e angustura (vocábulo esse que, além do sentido físico de passagem estreita, também traz a ideia emocional de inquietude).

4) Em estradas de ferro, são conhecidas, ademais, as expressões estrada de ferro de via estreita, estrada de ferro de via angusta ou estrada de ferro de bitola angusta, para significar o tipo de transporte ferroviário cuja largura da via ou bitola é inferior ao considerado normal no transporte ferroviário. E, assim, enquanto a bitola normal (que depende das características de cada país) é utilizada na rede principal das vias férreas, já a via angusta é empregada para as linhas secundárias.

5) No plano jurídico, é certo que o mandado de segurança e o habeas corpus, por sua natureza, não admitem abertura de fase para produção de provas, de modo que têm um conteúdo probatório mais restrito, e por isso se encontram, nos escritos jurídicos e forenses, frases como as seguintes: a) "O mandado de segurança é via processual angusta, em que não há fase de dilação probatória"; b) "Dizer da existência ou não de crime tentado é pretensão que não se coaduna com a via angusta do 'habeas corpus'"; c) "Inviável, na via angusta do 'habeas corpus', a valoração do testemunho de policiais militares, a cujos depoimentos não faz a lei processual qualquer restrição".

6) Com essas ponderações como premissas, podem-se extrair algumas ilações com referência à indagação do leitor: (i) a expressão via angusta significa, apenas e tão somente, caminho limitado ou restrito, quer no sentido físico, quer no sentido figurado; (ii) constitui expressão vernácula, já que ambos os vocábulos que compõem tal circunlóquio se encontram plenamente integrados ao nosso idioma, razão pela qual não há necessidade de escrevê-la em itálico, negrito, entre aspas ou sublinhada, providência essa que seria obrigatória para palavras ou expressões estrangeiras; (iii) em Direito, exatamente com esse significado de caminho limitado, costuma ser empregada para falar de medidas jurídicas em que se dá uma atuação jurisdicional limitada, sem abertura de fase para produção de provas em audiência, como é o caso do mandado de segurança e do "habeas corpus"; (iv) quanto a constar tal expressão, em tempos passados, na capa dos autos de medidas que precisassem de urgente solução, até faz sentido a versão apresentada pelo consulente, mas o subscritor destas linhas não tem notícia de tal ocorrência e até mesmo agradeceria por eventuais subsídios comprovados nessa direção; (v) sendo verdadeira ou não a história trazida pelo leitor, aplica-se, em realidade, ao caso por ele relatado o vetusto brocardo italiano a dizer que “se non è vero, è ben trovato” (se não é verdadeiro, é muito bem inventado).

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.