1) Um leitor envia mensagem, trazendo um tema que se repete com certa frequência: diz ele que lhe “causa espécie o uso de expressões como tirar de dentro, sair para fora, subir para cima, descer para baixo”. E indaga se são elas efetivamente corretas ou não.
2) Ora, o vocábulo pleonasmo (de pleos, em grego, que quer dizer abundante) significa, em síntese, uma repetição, no falar ou no escrever, de ideias ou palavras que tenham o mesmo sentido.
3) Trata-se de termo genérico, que tanto pode adornar a linguagem, como torná-la feia e sem encanto. No primeiro caso, em que se busca dar força à expressão, chama-se pleonasmo de estilo. Ex.: “Vi com meus próprios olhos”. No segundo caso, caracteriza vício da linguagem e chama-se pleonasmo vicioso, porquanto, longe de enfeitar o estilo, apenas repete desnecessariamente ideia já referida. Ex.: “Subir para cima”.
4) Na lição de Vitório Bergo (1944, p. 183), a expressão com pleonasmo de estilo constitui construção irrepreensível, porque “o pleonasmo deixa de considerar-se vício para classificar-se como figura desde que, sem tornar deselegante a frase, contribua para dar maior relevo à ideia”.
5) Lembrando que o pleonasmo pode ser representado pela repetição de pronomes, Mário Barreto leciona que “uma boa coleção de pleonasmos possui a língua portuguesa na combinação das formas pronominais, tônicas e atônicas, podendo o pronome absoluto preceder o pronome conjunto complemento: dá-lhe a ele; a mim parece-me que...; parece-me a mim que...; a ti não te faço mal; a mim basta-me a satisfação de ter descoberto estas pérolas; a ele eu não lhe disse nada; ele disse-mo a mim...” (1954a, p. 264). Acrescentem-se aqui expressões como “Não lhe resta ao credor outro caminho...”.
6) Quando, em vez de dar reforço ao estilo, significa desnecessária e feia redundância, o pleonasmo é vicioso e também se denomina tautologia (de tautos, em grego, que exprime a ideia de mesmo, de idêntico). Caracteriza-se, em síntese, pela seguida repetição, por meio de palavras diferentes, de um pensamento anteriormente enunciado, baseando-se “no desconhecimento da verdadeira significação dos termos empregados, provocando redundância ou condenável demasia verbal” (XAVIER, 1991, p. 95).
7) Além dos lapsos mais comuns nesse campo dos pleonasmos viciosos (subir para cima, descer para baixo, entrar para dentro, sair para fora, menino homem...) e verifi cáveis até com perfunctório cuidado, há outros de identifi cação mais difícil, mas que, de igual modo, devem ser evitados, ainda que à custa de maior atenção: breve alocução (alocução já signifi ca um discurso breve), monopólio exclusivo (está ínsita em monopólio a ideia de exclusividade), principal protagonista (protagonista já é o personagem principal), manusear com as mãos (manusear já tem por radical, em latim, a ideia de atuar com as mãos), preparar de antemão (por força do prefi xo latino pre, preparar já tem em si a ideia de anterioridade), prosseguir adiante (não há como prosseguir para trás, já que o prefi xo latino pro tem o signifi cado de movimento para a frente), prever antes (por força do prefi xo latino pré, signifi cando anterioridade, prever depois não é prever), prevenir antecipadamente (o prefi xo latino pre já traz em si a ideia de anterioridade), repetir de novo (em razão do prefi xo latino re, repetir já significa atuar de novo), boato falso (boato já signifi ca um relato sem correspondência com a verdade).
8) Veja-se como nem sempre é fácil identificar tautologias, quer por desconhecimento do real significado das palavras, quer porque há expressões que estão enraizadas no uso e são de difícil expurgo: abertura inaugural, acabamento fi nal, detalhes minuciosos, metades iguais, empréstimo temporário, encarar de frente, planejar antecipadamente, superávit positivo, vereador da cidade
9) Quanto à questão da consulta, não há dúvida de que são pleonasmos viciosos as expressões sair para fora, subir para cima, descer para baixo.
10) Mas é preciso que o leitor não se deixe enganar por falsas aparências. Quanto ao exemplo por ele trazido à consulta, veja-se que nem tudo o que se tira está dentro de algo. A par de exemplos com significação clara de retirar do interior de algo (como “Tirar os objetos da gaveta”, de modo que “Tirar os objetos de dentro da gaveta”, poderia ser tido como caso de pleonasmo vicioso), podem-se citar diversos outros em que o mencionado verbo tem o conteúdo semântico de extrair, mas não do interior de algo. Exs.: a) “O general tirou seus soldados da linha de tiro”; b) “O engenheiro mandou tirar da estrada a pedra que caíra do morro”. E, nesses casos, obviamente não se há de ver em tais frases a existência de pleonasmos viciosos.