Gramatigalhas

Um dos que – Denunciou ou Denunciaram?

Um dos que – Denunciou ou Denunciaram?

16/2/2022
O leitor Wagner Baggio envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:

"Caro professor Zé Maria. Tenho ouvido muito jornalista, em rádio e televisão, fazer uma estranha concordância no singular, quando o pronome relativo QUE liga um sujeito no plural ao verbo. Um primeiro exemplo: O professor José Maria é um dos que dão aula de português (correto). A maioria, porém, afirma, de forma estranha, que o professor é um dos que DÁ aula. Um outro exemplo: Ao fazer referência ao caso Watergate (denúncia contra o presidente Nixon, que culminou com sua renúncia), um radialista de São Paulo disse que Bob Woodward 'foi um dos que denunciou', mas sabemos que dois denunciaram, Woodward e Carl Bernstein. Enfim, para encerrar, o Severino é um dos nordestinos que migrou ou dos que migraram para São Paulo nos últimos cem anos?".

1) Um leitor indaga, em suma, se, com a expressão um dos que, o verbo fica no singular ou vai para o plural. Vejam-se os seguintes exemplos trazidos para consulta: (i) “O professor José Maria é um dos que dá aula de português” (ou um dos que dão?); (ii) “Bob Woodward foi um dos que denunciou o Presidente Nixon” (ou um dos que denunciaram?); (iii) “Severino é um dos nordestinos que migrou para São Paulo nos últimos cem anos” (ou um dos que migraram?).

2) Ora, o circunlóquio da consulta configura expressão que traz problemas quanto à concordância verbal.

3) Com ela no sujeito, o verbo pode concordar optativamente no singular ou no plural. Exs.: a) “Dentre nossos juristas, Vicente Rao foi um dos que maisabusou do talento e da cultura” (correto); b) “Dentre nossos juristas, Vicente Rao foi um dos que mais abusaram do talento e da cultura” (correto).

4) Após lembrar que tal expressão às vezes faz o verbo concordar no singular, às vezes no plural, Júlio Nogueira observa o que sintaticamente se dá: na segunda hipótese, “predomina o plural os, contido em dos; na primeira, um”.

5) Em continuação, opina o referido gramático: “Parece-nos preferível o verbo no plural, e usá-lo assim é a tendência mais generalizada”1.

6) Embora haja a condenação de alguns gramáticos ora a esta, ora àquela construção, Laudelino Freire2, fundando-se em diversos exemplos de abalizados autores e reforçado pela autoridade de conceituados gramáticos, defende a concordância do verbo, em tais casos, tanto no singular quanto no plural, refutando superiormente tais invectivas adversárias.

7) Júlio Nogueira3, de seu lado, assevera que, “com um dos que é preferível o plural”; por outro lado, assevera que, “se, porém, vale o exemplo dos clássicos, pode-se usar o singular”, passando a arrolar exemplos abalizados de bons escritores: a) “Foi uma das primeiras terras de Espanha que recebeu a fé de Cristo”4; b) Uma das causas que derribou a Galba do Império foi...”.

8) Para Laudelino Freire5, “há dupla sintaxe para as orações em que o pronome que vem precedido de um dos, uma das”, observando tal gramático que, à semelhança do que ocorre na língua francesa, são facilmente justifi cáveis ambas as concordâncias.

9) Em realidade, autorizadas que estão as duas construções em nosso idioma, pode-se asseverar que, hoje, a questão é apenas de sentido: com o verbo no singular, realça-se a ideia da ação individual; com o verbo no plural, reforça-se o aspecto da ação coletiva.

10) Voltando, de modo específico, à indagação do leitor, pode-se dizer que, com a expressão um dos que, o verbo pode tanto concordar no singular como no plural, de modo que estão corretas todas as concordâncias trazidas nos exemplos: (i) “O professor José Maria é um dos que dá aula de português”; (ii)“O professor José Maria é um dos que dão aula de português”; (iii) “Bob Woodward foi um dos que denunciou o Presidente Nixon”; (iv) “Bob Woodward foi um dos que denunciaram o Presidente Nixon”; (v) “Severino é um dos nordestinos que migrou para São Paulo nos últimos cem anos; (vi) “Severino é um dos nordestinos que migraram para São Paulo nos últimos cem anos”.

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NOGUEIRA, 1959, p. 112.

1937a, p. 18-23.

1939, p. 212.

Frei Luís de Sousa.

1937b, p. 97.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.