Gramatigalhas

Que posicionou-se ou Que se posicionou?

Que posicionou-se ou Que se posicionou?

26/1/2022
O leitor Fabio Martins Di Jorge envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:

"Na migalha 'serviço de acompanhante', utilizou-se a seguinte construção: 'A decisão é da 1ª câmara Cível do TJ/SC, que posicionou-se pela manutenção da sentença, em que foi destacada a responsabilidade'. Que posicionou-se... Todavia, sempre tive em mente a ideia de que o 'que' exerce uma atração do prenome átono, nesse caso a partícula 'se'. Escreveria naquela sentença, então: A 1ª Câmara, que se posicionou... A dúvida, que deve ser de muitos, entrego para debate ao nosso professor, Dr. José, de Gramatigalhas, que muito nos ensina por aqui. Como melhor utilizar o 'que'?".

1) Um leitor indaga, em síntese, se é correta a colocação do pronome pessoal oblíquo átono se na seguinte frase que encontrou: “'A decisão é da 1ª câmara Cível do TJ/SC, que posicionou-se pela manutenção da sentença...”. E complementa se não seria melhor escrever “que se posicionou”. Vale dizer: questiona ele se, no caso, não seria melhor colocar o pronome em próclise (antes do verbo), e não em ênclise (depois do verbo), e isso por conta da força de atração do que.

2) Para dar ao leitor uma resposta mais fundamentada, parte-se de algumas considerações, que servem de premissas necessárias a um raciocínio adequado quanto à colocação dos pronomes.

3) Expressão também conhecida como topologia pronominal, a colocação de pronomes significa, em Gramática, o estudo da colocação do pronome pessoal oblíquo átono na frase, considerado em relação ao verbo.

4) Por ser átono (sem autonomia sonora), tal pronome depende do verbo por ele completado, cingindo- -se a questão a verifi car onde a sonoridade melhor aconselha seu posicionamento.

5) Se o pronome átono vem antes do verbo, diz-se que há próclise. Ex.: “O advogado não se conteve em au- diência”.

6) Se o pronome átono vem no meio do verbo, diz-se que há mesóclise. Ex.: “Realizar-se-á o júri de acordo com a designação anterior”.

7) Se o pronome átono vem depois do verbo, diz-se que há ênclise. Ex.: “Conteve-se o advogado apesar das ofensas do causídico adversário”.

8) Porque o emprego desta ou daquela colocação de- pende da eufonia, há quem diga, como Antenor Nascentes, que “o uso da próclise e o da ênclise, isto é, da colocação anterior ao verbo e da posterior, no tocante aos pronomes pessoais oblíquos, regula-se exclusivamente pelo ouvido” (1942, p. 152).

9) Fundado em tal posicionamento, assevera, em se- quência, o referido gramático: “Em matéria de co- locação de pronomes não há certo nem errado; há elegante e deselegante” (NASCENTES, 1942, p. 153).

10) Em termos genéricos – até para se ter a real dimensão da divergência que, nesse assunto, grassa ente os gramáticos, sobretudo pela diversidade de entonação entre a pronúncia brasileira e a portuguesa – para alguns deles, a posição considerada normal dos pronomes átonos é a ênclise (depois do verbo). J. Mattoso Câmara Jr., entretanto, em lição transcrita por Geraldo Amaral Arruda (1997, p. 60) tem opinião diferente, quando afirma que “o gênio da língua, para o português (do Brasil) não favorece a ênclise; e a próclise é geral, em princípio”.

11) Com essas considerações como premissas, visto que não se tem o verbo no futuro do presente nem no futuro do pretérito (o que afastaria a possibilidade de ênclise e permitiria o raciocínio correspondente como mesóclise), deve-se atentar aos seguintes aspectos: (i) o lugar natural do pronome, nesses casos, é a ênclise; (ii) esse pronome apenas é atraído para a colocação em próclise, quando há, logo antes do verbo, alguma daquelas palavras chamadas atrativas (e isso porque a eufonia, em tais hipóteses, diz que o melhor lugar para o pronome é antes do verbo): (iii) as palavras atrativas são (a) as negativas , (b) os advérbios, (c) os pronomes relativos, (d) os pronomes indefinidos e (e) as conjunções subordinativas; (iv) e, quando se faz presente uma dessas palavras atrativas logo antes do verbo, a próclise é obrigatória.

12) Como, no caso da consulta, o que pode ser substituído por o qual, a conclusão óbvia é que ele constitui um pronome relativo e, por conseguinte, tipifica uma dessas chamadas palavras atrativas.

13) E isso faz concluir que o leitor tem razão, de modo que a única forma correta para a frase apontada é “que se posicionou, e não “que posicionou-se”.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.