Gramatigalhas

Morto ou Falecido?

Morto ou Falecido? O professor esclarece.

8/12/2021
O leitor João Costa Pinto envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:

"Caro Dr. José Maria. É frequente lermos em noticiários de jornais impressos ou em revistas, ou ouvirmos pela TV, por exemplo, que 'Fulano de Tal, grande jurista, morto em 2010, contribuiu ...". Embora possa estar correto o uso do particípio passado morto, essa forma verbal nesse texto parece-me não soar bem. Para mim, o particípio passado do verbo falecer, falecido, nessa mesma frase seria mais apropriado: 'Fulano de Tal, grande jurista, falecido em 2010, contribuiu...' Peço a fineza dos seus esclarecimentos. Pela gentil resposta, antecipo meus agradecimentos."

O leitor Osvanir Saggin envia outra mensagem em mesmo campo:

"Boa tarde! O pessoal migalheiro já deve ter solicitado a respeito, mas a imprensa, de modo geral, utiliza a expressão 'Fulano de tal....morto.....dia tal, no instituto do coração'. No meu parco conhecimento, penso que deveria ser: 'Fulano de tal...falecido...no instituto do coração'. Tenho para mim que MORTO, seria MATADO por meios violentos. Já FALECIDO seria a pessoa que morreu por doença ou de morte natural, etc. Essa forma de dizer que a pessoa morreu (MORTO) soa estranho aos ouvidos. Enfim, a grande imprensa e, de modo geral, todos os que escrevem, usam essa forma. Gostaria de saber existe alguma explicação semântica ou determinação ou acordo para que se escreva e fale dessa forma. Grato antecipadamente."

1) Dois leitores, utilizando exemplos diferentes, acabam por fazer a mesma indagação, que assim pode ser resumida: é correto dizer "Fulano de Tal, grande jurista, morto em 2010, contribuiu ..."; ou, então, "Fulano de tal.... morto no dia tal, no instituto do coração..."? Acrescente-se, para facilitar a explicação, um outro exemplo: "O bandido, morto na prisão, tinha pena longa para cumprir".

2) Um primeiro esclarecimento já começa a resolver a questão em sua base: curiosamente, morto é o particípio passado irregular de dois verbos quase que opostos: matar e morrer. Exs.: a) "A vítima está morta" (morrer); b) "O ladrão também foi morto" (matar).

3) Para completar as premissas para o raciocínio aqui feito, anota-se que os particípios passados de tais verbos são, respectivamente, morrido e matado. Exs.: a) "A vítima tinha morrido"; b) "A polícia havia matado o bandido".

4) Ora, porque morto é particípio passado irregular tanto de matar como de morrer, verbos esses de conteúdo semântico quase que oposto, acaba ocorrendo obscuridade quanto ao sentido da frase quando ele é empregado sem maior atenção: (i) assim, quando se diz "Fulano de Tal, grande jurista, morto em 2010, contribuiu ...", não se sabe se ele morreu de causas naturais, ou se foi assassinado; (ii) o mesmo se dá quando se diz "Fulano de Tal, morto no dia tal no Instituto do Coração...".

5) Ante essas considerações, podem-se observar os seguintes aspectos: (i) num primeiro plano, deve-se afirmar que está gramaticalmente correto o emprego dos verbos tais como propostos nos exemplos das consultas; (ii) num segundo aspecto, entretanto, o certo é que, quanto ao sentido, vê-se que – uma vez que morto é o particípio passado irregular tanto de matar como de morrer – os exemplos acabam mergulhados na ambiguidade em boa parte das falas; (iii) e, assim, o melhor, para evitar ambiguidade e obscuridade, é substituir tal verbo por um sinônimo que não dê margem a nenhuma dúvida semântica.

6) Por isso se particularizam as seguintes situações: (i) quanto ao exemplo acrescido "O bandido, morto na prisão...”, deve-se optar por “O bandido, falecido na prisão..." para a hipótese de morte por causas naturais, ou “O bandido, assassinado na prisão..." para o caso de morte causada por terceiros; (ii) seguindo o mesmo raciocínio para o primeiro exemplo da consulta, deve-se preferir "Fulano de Tal, grande jurista, falecido em 2010, contribuiu ..." ou "Fulano de Tal, grande jurista, assassinado em 2010, contribuiu ..."; (iii) de igual modo para o segundo exemplo da consulta, é melhor especificar, dizendo "Fulano de tal.... falecido no dia tal, no instituto do coração...", ou "Fulano de tal.... assassinado no dia tal, no instituto do coração...".

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.