Gramatigalhas

Diagnosticar – Como construir seu complemento

Diagnosticar – Como construir seu complemento.

20/10/2021

O leitor Carlos Antônio de Oliveira envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas: 

"Prezado Dr. José Maria da Costa, tornou-se comum dizer que 'alguém foi diagnosticado com Covid-19, ou câncer', por exemplo. Sabemos que a doença é diagnosticada (procedimento médico de identificação), e não a pessoa do paciente. Tenho para mim que o paciente recebe o diagnóstico, ou seja, não é ele o diagnosticado. Apreciaria conhecer a sua elevada opinião a respeito (este, sim, será um elevado diagnóstico). Agradeço imensamente."

1) Um leitor indaga, em síntese, qual das duas construções é gramaticalmente correta: (i) "A doença foi diagnosticada no paciente"; (ii) "O paciente foi diagnosticado com a doença".

2) Observe-se, num primeiro plano, que o verbo diagnosticar vem do grego, mais especificamente do prefixo dia (que significa através de) e do radical gnos (que quer dizer conhecer). Assim, no campo da Medicina, através dos diversos exames e outras circunstâncias, vêm a ser conhecidas as causas de uma doença específica.

3) E, como os dois exemplos trazidos pelo leitor estão na voz passiva (ou seja, os sujeitos "doença" e "paciente" recebem ou sofrem a ação indicada pelo verbo), pode-se alargar a questão, para assim também ampliar os exemplos para a voz ativa (em que o sujeito pratica a ação indicada pelo verbo) e, assim, tornar de mais fácil solução o desafio: (i) "O médico diagnosticou a doença no paciente"; (ii) "O médico diagnosticou o paciente com a doença".

4) E, com isso, passa-se, de início, à análise dos exemplos na voz ativa, observando que a indagação do leitor, em síntese, busca saber se o correto, no plano da Gramática, é construir (i) o objeto da ação de diagnosticar como coisa (no caso, doença), ou como pessoa (na hipótese versada, o paciente).

5) Ora, Francisco Fernandes, em obra clássica sobre a complementação dos verbos em tais circunstâncias, defende como única possibilidade, em casos dessa natureza, a construção do complemento como a coisa e se esteia, para tanto, em exemplo de autor insuspeito: "Há uma enfermidade? Eles a diagnosticam" (Rui Barbosa).1

6) Não diverge dessa posição outro autor de peso, Celso Pedro Luft, que traz exemplos não menos significativos, e em todos figura a coisa (e não a pessoa) como complemento: (i) "Diagnosticar a origem de um mal"; (ii) "Diagnosticar deficiências, males sociais, etc."2

7) Com essas considerações como premissas, podem-se extrair as seguintes conclusões, com os olhos diretamente voltados aos exemplos do leitor: (i) "O médico diagnosticou a doença no paciente" (correto); (ii) "A doença no paciente foi diagnosticada pelo médico" (correto); (iii) "O médico diagnosticou o paciente com a doença" (errado); (iv) "O paciente foi diagnosticado com a doença pelo médico" (errado).

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1 FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. Porto Alegre: Editora Globo, 1971, 4. ed., 16. Impressão, p. 241.

2 LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. São Paulo: Editora Ática, 1999, 8. ed., p. 211.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.