O leitor Plauto de Souza Nascimento envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:
"Com a chegada do computador, as letras e os números digitados passaram a ser denominados como caracteres. Tenho algumas indagações: (i) como distinguir, no singular, essas letras e tipos do vocábulo que significa gênio, índole ou temperamento?; (ii) e como se faz o plural de ambos?"
1) Um leitor indaga, de modo bastante objetivo, quanto à palavra caráter ou caractere: i) como distinguir, no singular, as letras e os tipos do gênio, da índole e do temperamento?; (ii) e como fazer o plural de ambos?
2) Caráter pode ter diversos signifi cados: a) conjunto de características de alguém ("Seu caráter agressivo difi culta-lhe os relacionamentos"); b) qualidade de alguma pessoa ("Ele é alguém de caráter"); c) cunho ("Ele escreveu uma obra de caráter científico").
3) Já caractere (é) significa qualquer dígito numérico, letra de alfabeto ou código de controle ("Ele não conseguiu localizar o processo pela internet, por falta de um caractere em seu número").
4) Embora etimologicamente sejam variações de um mesmo vocábulo (do grego caraktér pelo latim charactere), modernamente se passou a fazer a distinção, conforme o sentido, sobretudo em decorrência de seu grande uso advindo do progresso da informática.
5) Corroborando o fato de que essa distinção é recente, vale lembrar antiga observação de Cândido de Figueiredo a um funcionário de escola que exigia de seus inspecionados que fizessem sempre a distinção prosódica entre caráter, para significar feição moral, e caracter (é), para indicar a letra, obrigando também a distinção no plural – carácteres e caracteres (é) – consoante as acepções: "Sob a forma de caráter, há apenas um vocábulo, e as várias acepções de um vocábulo não influem absolutamente nada na sua prosódia" (1943, p. 244).
6) Pois bem. Nos últimos tempos, tem-se a seguinte situação nas sucessivas e recentes edições do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado pela Academia Brasileira de Letras, que é o órgão oficialmente incumbido de listar as palavras existentes em português, bem como sua correta grafia e prosódia: a) em sua segunda edição (1998), apresentava as formas carácter e caráter, mas não caracter (é) nem caractere (é), e fazia remissão entre aquelas, como sinônimas, apontando para ambas o plural caracteres (p. 141-2); b) em sua quarta edição (2004), eliminou carácter, acrescentou caractere (é), mas indicou o plural caracteres apenas na última (p. 154-5); c) em sua quinta edição (2009), já em conformidade com o Acordo Ortográfico de 2008, manteve exatamente a postura da edição anterior, a saber, não trouxe caracter (é) nem carácter, e sim caractere e caráter, e apontou o plural caracteres apenas nesta última (p. 160-1).
7) Ante um tal quadro, a questão pode ser assim sintetizada para os dias de hoje: a) no singular, há caráter e caractere (é), mas não existem carácter nem caracter (é); b) o plural de ambas é caracteres (SACCONI, 1979, p. 34.), como e tônico também com timbre aberto (é), não importando a acepção que o vocábulo possa ter; c) em caractere e em caracteres, o c é regularmente pronunciado.
8) Adicionalmente, como interessante observação, vale anotar que o substantivo composto mau-caráter faz, no plural, maus-caracteres, como, aliás, registra o VOLP (2009, p. 534), não importando que o som do vocábulo possa não ser dos melhores (NISKIER, 1992, p. 73).