Gramatigalhas

Etc. – Vírgula anterior é obrigatória ou optativa?

Etc. – Vírgula anterior é obrigatória ou optativa? O professor responde.

13/1/2021

O leitor Ubirajara W. Lins Junior envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:

"Prezado Professor, ao cumprimentá-lo, solicito que me seja esclarecido o seguinte (apesar de possivelmente já haver sido respondida esta questão, mas insisto na sua resposta): a utilização do termo ‘etc.’ é sempre precedida de vírgula ou porventura isso é opcional? Antecipadamente, agradeço pela atenção que a mim for dispensada, com a resposta a ser dada a essa minha indagação/dúvida, a qual, certamente, também deve ser de muitas outras pessoas"

1) Um leitor indaga se, antes de etc., a vírgula é obrigatória ou facultativa.

2) Em realidade, quanto ao vocábulo etc., algumas ponderações precisam ser feitas, razão pela qual desde logo se rogam desculpas pela extensão destes comentários. Mas também se esclarece, já de início, que são eles muito úteis à escrita que deva obedecer à norma culta.

3) Trata-se de abreviatura da locução latina et coetera, que, etimologicamente, significa e as outras coisas, ou e as coisas restantes, tendo, na atualidade, o sentido de assim por diante, afora o mais, e ainda outros, podendo abranger, além de coisas, também pessoas e animais. Ex.: "Compareceram diversas pessoas do meio jurídico: juízes, promotores, advogados, etc."

4) Tem, como sinônimo pejorativo, et reliqua caterva, ou simplesmente et caterva, literalmente e o bando restante, que se usa para indicar e os demais da mesma laia (OLIVEIRA, C., s/d, p. 71).

5) Como não é difícil perceber, já na origem latina há uma conjunção aditiva, razão por que é errado dizer e etc. Ex.: "Compareceram diversas pessoas do meio jurídico: juízes, promotores, advogados e etc." (errado).

6) Reforçando esse entendimento, traz-se a lição de Luiz A. P. Vitória: "antes de etc., nunca se coloca a conjunção" (1969, p. 109).

7) Quanto à pontuação, a rigor, seria etimologicamente inconcebível o uso da vírgula antes do etc., exatamente por considerada sua significação.

8) Nesses casos, tecnicamente, só se haveria de usar a vírgula antes de tal palavra nas hipóteses em que tal sinal indicativo de parada existisse antes do e, pela existência, por exemplo, de um termo intercalado. Ex.: a) "Compareceram diversas pessoas do meio jurídico: juízes, promotores, advogados, estes em maior número, etc." (correto); b) "Compareceram diversas pessoas do meio jurídico: juízes, promotores, advogados, etc." (errado).

9) Anote-se, todavia, que o acordo ortográfico em vigência determina que a vírgula deve ser usada em tal caso, razão pela qual a referida vírgula se torna, então, obrigatória.

10) A esse respeito, anota Arnaldo Niskier que "a questão da vírgula antes do etc. é simples: deve ser usada! O argumento de que originalmente a palavra já contém o e (et) não vale, pois o que conta é o acordo ortográfico vigente, e, diga-se de passagem, já não falamos latim, mas sim português" (1992, p. 35).

11) De Cândido de Oliveira, em seguida, vem outra importante observação: "Sendo etc. a última palavra da frase, não colocamos dois pontos: um só ponto indicará a abreviatura e o ponto final: São vales, serras, planícies, etc." (1961, p. 69).

12) Domingos Paschoal Cegalla (1999, p. 156) sintetiza em três observações os problemas referentes ao assunto: a) "Costuma-se usar vírgula antes dessa abreviatura, embora contenha a conjunção e"; b) "Não se deve usar a conjunção e antes de etc."; c) "Pode-se empregar etc., mesmo com referência a pessoas e animais".

13) De fundamentados comentários de Edmundo Dantès Nascimento (1982, p. 46-7), também assim se pode resumir seu ponto de vista sobre a questão, com importantes reflexos para os textos jurídicos e forenses: a) apesar de alguns autores – como Júlio Nogueira e Luiz Autuori – o empregarem como sinônimo de outros ou de outrem, não é possível tal uso na literatura jurídica; b) é hábito internacional fazer preceder de vírgula tal abreviatura, apesar de repugnar a pontuação em uma série terminada por e, sobretudo aos que não perderam a ideia do sentido etimológico do vocábulo; c) o Vocabulário Ortográfico, aliás, sempre coloca vírgula antes de etc.

14) Uma observação final: o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – editado pela Academia Brasileira de Letras, a qual tem a delegação legal para listar oficialmente os vocábulos existentes em nosso idioma, em sua edição mais recente, a primeira na vigência do Acordo Ortográfico de 2008 – omitiu, em seu corpo principal, o registro do vocábulo et-cétera, assim com acento gráfico, já em sua forma aportuguesada e como vocábulo integrante de nosso léxico. Trouxe, todavia, etc. no grupo das Reduções Mais Correntes (p. 832) e, ao indicar-lhe o significado, ao lado da expressão latina et cetera, também fez constar a fórmula aportuguesada etcétera, assim com acento gráfico, que não existe em latim, e sem o emprego do itálico que marca as palavras estrangeiras. Isso permite duas importantes conclusões: a) embora não constante do corpo principal da listagem do VOLP, a palavra etcétera é vocábulo pertencente ao nosso idioma; b) por consequência, tanto o vocábulo etcétera como a respectiva redução etc. se escrevem sem aspas, sem itálico, negrito ou sublinha, circunstâncias essas próprias da escrita de vocábulos integrantes de outros idiomas.

15) É interessante notar, para ilustração, que, no art. 232 da lei 6.015, de 31/12/73, que dispôs sobre os registros públicos, de acordo com a redação trazida pela lei 6.216, de 30/6/75, que a modificou, constava vírgula antes de etc.; na republicação da lei, inserida na Coleção das Leis da União de 1975, vol. V, p. 61, todavia, acabou desaparecendo a mencionada vírgula.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.