O leitor José Flávio Batista Rodrigues envia à coluna Gramatigalhas a seguinte mensagem:
"Professor, a minha dúvida é a seguinte: para que o advogado patrocine seu cliente na esfera administrativa e judicial, o correto é confeccionar a procuração nos termos 'ad judicia et extra'
1) Um leitor indaga, em síntese, o seguinte: para que o advogado patrocine seu cliente na esfera administrativa ou judicial, o correto é confeccionar a procuração nos termos 'ad judicia et extra'?.
2) Ora, para responder à indagação feita, lançam-se algumas premissas, a começar pela lembrança do art. 653 do Código Civil, o qual registra que se opera o mandato, "quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses".
3) Num segundo aspecto, o mesmo artigo da codificação civil esclarece que "a procuração é o instrumento do mandato".
4) Segue-se neste raciocínio para dizer que, na procuração, discriminam-se os atos ou interesses que o procurador (tecnicamente também denominado mandatário) vai praticar ou administrar em nome do outorgante da procuração (que, em termos jurídicos, se denomina mandante).
5) Se os atos a serem praticados ou interesses a serem defendidos se situam na esfera de um processo que corre em juízo, o mandato é judicial, caso em que, por tradição vinda do Direito romano, se diz que o mandato é conferido com a cláusula "ad judicia" (escreve-se assim, e não ad juditia, como fazem alguns de modo equivocado), expressão latina essa que pode ser traduzida pelo circunlóquio "para as questões judiciais".
6) Nesse caso, se o mandato é outorgado para o foro em geral, quem o recebe pode atuar em toda e qualquer medida judicial que envolva o mandante; se, contudo, os poderes outorgados se restringem à autorização para um processo específico, a procuração apenas autoriza a prática de atos na medida especificamente discriminada.
7) E, ainda, recebendo a procuração "ad judicia", o mandatário está autorizado a agir em nome do mandante, bem como a praticar todos os atos indispensáveis ao andamento do processo, os quais se consideram implicitamente autorizados pelo referido documento.
8) Determinados atos, todavia, embora se considerem tecnicamente processuais, exigem poderes especiais e menção expressa na procuração "ad judicia", para que possam ser praticados pelo procurador: receber a citação inicial, confessar, transigir, desistir e dar quitação e firmar compromisso.
9) Continuando em outro aspecto da consulta do leitor, anota-se que extra, no caso, é prefixo latino, que carrega o significado de fora de, além de, de modo que, quando alguém outorga uma procuração extrajudicial, está autorizando o mandatário a praticar atos que não se situam na esfera judicial. Suas regras estão discriminadas nos arts. 653/691 do Código Civil.
10) Por fim, quando alguém outorga uma procuração "ad judicia et extra", isso significa que os poderes por ela conferidos se situam não apenas na esfera judicial, mas também na esfera extrajudicial, de modo que uma procuração assim conferida nada mais é do que a junção de ambos os instrumentos anteriormente referidos.
11) Nada impede, como se vê, que, em mesma procuração, haja tanto a outorga de poderes para a prática de atos na esfera judicial, como também a autorização para a defesa de interesses na esfera extrajudicial.
12) Para que possa valer para atuação em ambas as esferas, entretanto, não basta constar, na epígrafe, no início do documento, a expressão "procuração 'ad judicia et extra'", já que um título de documento pode não valer por si nem significar efetivamente o que diz tal título. E, assim, devem também estar discriminados, de modo específico, os atos e interesses que poderão especificamente ser defendidos, administrados ou praticados pelo mandatário tanto na esfera judicial como no âmbito extrajudicial.
13) Sintetizando especificamente a resposta à indagação do leitor: (i) se o mandante quer que o mandatário apenas ajuíze ação ou defenda interesses na esfera judicial, nada mais é preciso do que uma procuração "ad judicia"; (ii) nesse caso, se a autorização é genérica, o mandatário pode atuar em todo e qualquer processo judicial em que esteja envolvido o mandante; (iii) e, ainda nesse caso, se há a discriminação de um feito judicial específico, apenas nesse poderá haver a atuação por parte do mandatário; (iv) por outro lado, se, além da autorização para a prática de atos judiciais, o mandante quer, em mesmo instrumento, autorizar que seu procurador também pratique atos na esfera extrajudicial, então ele outorga uma procuração "ad judicia et extra", discriminando também, no corpo do documento, quais são esses atos extrajudiciais cuja prática autoriza em seu nome; (v) nada impede, por fim, que sejam confeccionados documentos diversos, um para cada qual das finalidades estampadas, especificando-se, de modo pormenorizado, os atos cuja prática o mandante está autorizando se realize em seu nome.