Gramatigalhas

Colocação de pronomes – Próclise ou ênclise?

Colocação de pronomes – Próclise ou ênclise? O professor responde.

6/5/2020

O leitor Frederico Monacci Cerutti envia a seguinte dúvida para a seção Gramatigalhas:

"Enveredamos pelo horizonte da colocação pronominal e não chegamos a conclusão nenhuma. Qual é o correto de acordo com a norma culta: (i) "Nos autos do processo cujo trâmite dá-se por esta Vara..." (ênclise); (ii) "Nos autos do processo cujo trâmite se dá por esta Vara (próclise)?"

1) Um leitor pensou, refletiu, discutiu e não chegou a conclusão nenhuma. E indaga qual a forma correta de colocação do pronome: a) "Nos autos do processo cujo trâmite dá-se por esta Vara..."; b) "Nos autos do processo cujo trâmite se dá por esta Vara..."?

2) Ora, em tese, um pronome pessoal oblíquo átono pode-se colocar em três posições na frase: a) antes do verbo, ou seja, em próclise ("Não me amole!"); b) no meio do verbo, ou seja, em mesóclise ("Dir-se-á que não trabalhamos"); c) após o verbo, ou seja, em ênclise ("Deram-me notícia falsa").

3) Ainda antes de discutir o mérito da questão, em raciocínio que sempre deve ser repetido em tais circunstâncias, é preciso observar os seguintes aspectos no exemplo dado: a) o verbo é ; b) o pronome, cuja colocação está sendo discutida, é o se; c) o verbo está num tempo simples (ou seja, não é composto, nem é locução verbal); d) o verbo não está no futuro do presente, nem no futuro do pretérito, de modo que está totalmente descartada a possibilidade de ocorrência de mesóclise, e, assim, restam, na prática, apenas as possibilidades de próclise e de ênclise.

4) Com essas premissas, visto que se tem, no caso, um verbo num tempo simples, deve-se atentar aos seguintes aspectos: a) o lugar natural do pronome, nesses casos, é em ênclise; b) esse pronome apenas é atraído para a colocação em próclise, quando há, logo antes do verbo, alguma daquelas chamadas palavras atrativas; c) as palavras atrativas são (i) as negativas, (ii) os advérbios, (iii) os pronomes relativos, (iv) os pronomes indefinidos e (v) as conjunções subordinativas; d) no caso da dúvida trazida pelo leitor, trâmite é um substantivo e não se encaixa em nenhuma dessas categorias (é oportuno lembrar que cujo – um pronome relativo – não é levado em consideração, porque não é a palavra que vem imediatamente antes do verbo); e) se é assim, conclui-se que, no caso, não há palavra atrativa alguma; f) então não há motivo de próclise, e a colocação natural é em ênclise.

5) Acresce observar, adicionalmente, que, na frase do leitor, que não está completa, a dúvida surge na segunda oração: “... cujo trâmite se dá por esta Vara..." E se faz pequena alteração, que em nada altera a essência da análise, do que resulta a oração "O trâmite se dá por esta Vara". Dela se podem extrair as seguintes ilações: a) o sujeito é trâmite, e o verbo é dá; b) não há palavra atrativa logo antes do verbo; c) o exemplo está na ordem direta (sujeito + verbo + complementos).

6) E, quando se tem essa situação – a) exemplo na ordem direta e b) ausência de palavra atrativa antes do verbo – , então, além da ênclise, também se faculta o emprego da próclise.

7) Em resumo para o leitor, está correto o primeiro exemplo por ele trazido – "Nos autos do processo cujo trâmite dá-se por esta Vara..." – e isso pelas seguintes razões: a) o verbo está num tempo simples; b) esse tempo simples não é futuro do presente nem futuro do pretérito, o que afasta a possibilidade, mesmo em tese, de ocorrência da mesóclise; c) não há palavra atrativa logo antes do verbo; d) nesse quadro, a ênclise é o lugar natural de localização do pronome.

8) Além disso, também está correto o segundo exemplo trazido pelo leitor: "Nos autos do processo cujo trâmite se dá por esta Vara..." – e isso pelos seguintes motivos, que se acrescem às conclusões extraídas para o exemplo anterior: a) por um lado, não há palavra atrativa alguma antes do verbo; b) por outro lado, o exemplo está na ordem direta; c) nesses casos, além da ênclise (que é a localização natural do pronome), também se faculta a possibilidade de emprego da próclise.

9) Apenas se acrescenta que, em casos como os trazidos pelo leitor, a ênclise é mais usada em Portugal; no Brasil, a preferência é pela próclise.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.