A leitora Talita Menegueti envia-nos a seguinte mensagem:
"Gostaria de saber do ilustre Dr. José Maria da Costa qual das grafias desta expressão (de uso corrente no meio jurídico) está correta: 'haja vista' ou 'haja visto'? Obrigada."
1) Independentemente de discussões teóricas e da divergência de interpretação dos gramáticos sobre o problema, há pelo menos quatro construções, todas corretas, com tal expressão. Exs.:
a) "Haja vista aos argumentos que embasaram o veredicto...";
b) "Haja vista dos argumentos que embasaram o veredicto...";
c) "Hajam vista os argumentos que embasaram o veredicto...";
d) "Haja vista os argumentos que embasaram o veredicto...".
2) Nos dois primeiros exemplos, é como se se afirmasse ao leitor: "Tenha a vista lançada aos argumentos..."; ou, ainda: "Veja os argumentos..."
3) As expressões aos argumentos e dos argumentos, nesses casos, funcionam como objetos indiretos, e vista, como objeto direto.
4) No terceiro exemplo, argumentos é o sujeito, motivo por que o verbo haver está no plural.
5) Se tal sujeito estivesse no singular, a concordância verbal seria outra, e assim ficaria a frase: "Haja vista o argumento que embasou o veredicto..."
6) Essa última construção, defendida por Cândido de Figueiredo com explicação pormenorizada, é fortemente combatida por Laudelino Freire, que a tem por inaceitável e de evidente inutilidade; na prática, em realidade, de todas, parece ser a sintaxe menos defensável e de estruturação menos compreensível, muito embora tenha seus defensores e, em última análise, deva ser considerada correta.
7) No último exemplo, haja vista é uma expressão invariável, uma locução perifrástica transitiva1, equivalente a veja; e, nesse caso, argumentos é objeto direto, o qual, estando no singular ou no plural, não exerce influência alguma na flexão do verbo, em decorrência das regras mais básicas de concordância verbal.
8) Por oportuno, anota-se que, em lição repetida por José de Sá Nunes, já lembrava Ernesto Carneiro Ribeiro que "entre os bons escritores varia muito a sintaxe da frase em que figura a locução haja vista".2
9) Noticiam ambos os gramáticos que "para o Dr. Rui Barbosa, a expressão haja vista reduz-se a uma locução elíptica sempre invariável", construção essa em que "a expressão haja vista equivale à forma verbal veja".3
10) Em verdadeiro resumo, o Padre José F. Stringari - para o qual "ninguém se deixe entrar de receios sobre a vernaculidade destes torneios de linguagem" - anota que "nos mestres da língua costumam achar-se exemplos deste jeito:
a) 'Haja vista os modelos';
b) 'Hajam vista os modelos';
c) 'Haja vista aos modelos';
d) 'Haja vista dos modelos'".4
11) Também lembrando que "a perífrase haja vista oferece várias sintaxes", leciona Laudelino Freire que "a mais fácil, uniforme e única em conformidade com o sentido exato da expressão, sem que se faça necessário dar-lhe significação suposta, nem recorrer a elipses para que possível se torne construir sintaticamente com ela a oração, é a que se passa a expor: A expressão haja vista eqüivale a veja; tem por sujeito a palavra leitor, ou outra semelhante; e o complemento direto é invariavelmente representado pela palavra, ou palavras que vêm depois da mesma expressão. Exs.: Haja vista o art. 182. Haja vista a espécie de juras. Haja vista os exemplos disso em Castilho. Haja vista as minhas 'Cartas de Inglaterra'" (Rui Barbosa).5
12) A construção haja visto é muito comum, porém errada.
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1Cf. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Dicionário de Questões Vernáculas. São Paulo: Editora Caminho Suave Ltda., 1981. p. 134.
2Cf. NUNES, José de Sá. Aprendei a Língua Nacional . Consultório Filológico. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1938. vol. I, p. 156.
3Ibid., p. 157.
4Cf. STRINGARI, Padre José F. Canhenho de Português. São Paulo: Editorial Dom Bosco, 1961. p. 29.
5Cf. FREIRE, Laudelino. Sintaxe da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Empresa Editora ABC Ltda., 1937. p. 89.