Gramatigalhas

Cláusulas de contrato – Como numerar?

Cláusulas de contrato – Como numerar? O Professor esclarece a dúvida.

11/3/2020

O leitor Marcelo Menezes envia a seguinte dúvida ao Gramatigalhas:

"Prezado Dr. José Maria, agradeceria seus esclarecimentos sobre a seguinte dúvida: 'O Manual de Redação da Presidência da República', respaldado por lei, estabelece que, na redação de leis, a numeração dos artigos deve ser ordinal até o artigo nove e cardinal nos posteriores. A dúvida é se, na elaboração de contratos em geral, as cláusulas também devem obedecer ao mesmo critério. Muito obrigado."

1) Um leitor viu que o Manual de Redação da Presidência da República estabelece que, na redação das leis, a numeração dos artigos deve ser ordinal até o artigo nono e cardinal nos posteriores. E sua dúvida é se, na elaboração dos contratos em geral, as cláusulas também devem obedecer ao mesmo critério.

2) Antes de responder ao leitor, fazem-se algumas considerações mais abrangentes, para que possa haver um melhor entendimento da resposta a ser dada à dúvida por ele trazida, e isso sem esquecer que, no que concerne à elaboração e à redação das leis e de seus dispositivos, a matéria está regulada pela Lei Complementar nº 95, de 26.02.98, inclusive para determinar que os artigos, parágrafos, incisos, alíneas e itens seguirão "numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste" (art. 10).

3) Abrangendo a designação dos papas, reis e séculos, ensina Domingos Paschoal Cegalla: "usam-se numerais ordinais de um a dez e cardinais de onze em diante" (1999, p. 367).

4) Sintetiza-se essa posição com ensino de José de Nicola e Ernani Terra: "na indicação de papas, reis, séculos, capítulos, partes de obra, usam-se os numerais ordinais até décimo (inclusive). A partir daí, usam-se os cardinais" (2000, p. 134).

5) Para representar uma segunda posição, começa-se com o ensino de Celso Cunha (1970, p. 136), para quem se usa "o ordinal até nove, e o cardinal de dez em diante" (artigo nono, artigo dez), e isso sempre que o numeral vier depois do substantivo (1970, p. 262).

6) Em mesmo sentido, de acordo com Eliasar Rosa, "usam-se os numerais ordinais do ao , inclusive. Do art. 10 em diante empregam-se os cardinais. Dir-se-á: art. 1º, art. 10, art. 2º, art. 11 etc." (1993, p. 103).

7) Em terceira posição, Artur de Almeida Torres (1966, p. 81) faz uma distinção: a) "Nas séries de reis e papas e na designação de séculos ou capítulos, usamos do ordinal até dez, e do cardinal de onze em diante": Luís Décimo, Luís Onze, Pio Décimo, Pio Onze, século décimo, século onze, capítulo décimo, capítulo onze; b) "Na numeração de artigos de leis empregamos o ordinal até nove, e o cardinal de dez em diante: artigo primeiro, artigo nono, artigo dez".

8) Também Pasquale Cipro Neto e Ulisses Infante (1999, p. 312) bifurcam o problema e duplicam as soluções: a) por um lado, "para designar papas, reis, imperadores, séculos e partes em que se divide uma obra, quando o numeral vem depois do substantivo, utilizam-se os ordinais até décimo e a partir daí os cardinais": Pio 9º (nono), Pio 10º (décimo), Pio 11 (onze); b) por outro lado, "para designar leis, decretos e portarias utiliza-se o ordinal até nono e o cardinal de dez em diante": artigo 1º (primeiro), artigo 9º (nono), artigo 10 (dez).

9) Buscando remediar a divergência entre os autores e as dificuldades de emprego no caso concreto, ensina Vitório Bergo (1944, p. 212) – em lição que há de ter integral aceitação nos casos concretos – que, na generalidade dos casos, se há de empregar o numeral ordinal até nove (século nono); o seguinte pode ser século décimo ou dez; daí por diante, usa-se o cardinal (século onze).

10) Em continuação, diga-se que, por brevidade e simplificação, tem-se defendido o uso indiscriminado dos cardinais, em vez dos ordinais, na enumeração de séries de objetos e de partes em que se dividem os diplomas legais, como capítulos, artigos, parágrafos, incisos. Exs.: capítulo dois, artigo dez.

11) Nesse campo, Eduardo Carlos Pereira (1924, p. 250) leciona que "os cardinais pospõem-se ao substantivo quando por brevidade se empregam pelos ordinais" (página dois, casa vinte e um, por página segunda e casa vigésima primeira).

12) Ainda na lição desse mesmo autor, quando se trata de "longas séries, como as páginas de um livro ou as casas de uma rua, emprega-se pelo ordinal o cardinal, que se conserva invariável", exemplificando ele próprio: "página vinte e dois, por vigésima segunda; casa trinta e um, por trigésima primeira" (PEREIRA, 1924, p. 312).

13) E complementa: "a título de brevidade, usamos constantemente os cardinais pelos ordinais" – casa vinte e um, página trinta e dois – com a complementação de que "os cardinais um e dois não variam nesse caso porque está subentendida a palavra número" (PEREIRA, 1924, p. 312).

14) Também lembra Edmundo Dantès Nascimento (1982, p. 9): "por brevidade na série de objetos, artigos, cláusulas de lei, capítulos, parágrafos, empregam-se os cardinais. Art. 321, Lei n. 322, casa 21, fls. 41, capítulo 1, cláusula 2, etc.". E complementa: a) "neste caso não variam os numerais um e dois"; b) diz-se na linguagem forense: "aos 20 dias do mês de maio", "a fls. trinta e duas".

15) Reitere-se, contudo, que essa possibilidade de uso do cardinal pelo ordinal tem como regra primeira a de que o numeral posponha-se ao substantivo, motivo por que se há de atentar à necessidade de correção de um giro muito frequente em tomadas de depoimentos de policiais: a) 78° DP (leia-se: septuagésimo oitavo Distrito Policial) (correto); b) DP 78 (leia-se: Distrito Policial setenta e oito – subentendendo-se número setenta e oito) (correto); c) 78 DP (leia-se: setenta e oito Distrito Policial) (errado).

16) Em interessante observação nesse sentido, também acrescentam José de Nicola e Ernani Terra (2000, p. 54-5): "O numeral anteposto ao substantivo deve ser lido como ordinal, concordando com esse substantivo. Já o numeral posposto ao substantivo deve ser lido como cardinal, concordando com a palavra número, que se considera subentendida": III Salão do automóvel (terceiro), II Maratona Estudantil (segunda), VIII Copa do Mundo (oitava), casa 2 (dois), apartamento 44 (quarenta e quatro).

17) Ainda quanto ao que se dá com os textos legais, interessante observação final vem de Adalberto J. Kaspary: "Ao contrário do que se observa nos documentos legais do Brasil, em que os artigos são numerados por meio de algarismos ordinais do primeiro ao nono, e por meio de algarismos cardinais do décimo em diante, na legislação codificada de Portugal todos os artigos vêm numerados por meio de algarismos ordinais: art. 64º, art. 1.689º, etc." Mas excepciona tal autor: "No texto da Constituição da República Portuguesa, adota-se a numeração articular empregada no Brasil" (1996, p. 12).

18) Com essas explicações, pode-se responder ao leitor do seguinte modo: a) se anteposto ao vocábulo cláusula, o numeral será sempre ordinal (1ª Cláusula, 9ª Cláusula, 11ª Cláusula, 20ª Cláusula); b) se posposto ao vocábulo cláusula, o numeral normalmente também será ordinal de 1 a 9 (Cláusula 1ª, Cláusula 9ª) e cardinal de 11 em diante (Cláusula 11, Cláusula 20); c) quanto ao número 10, nesse caso, exatamente porque há divergência entre os autores, o melhor é permitir que se empregue tanto o ordinal quanto o cardinal (Cláusula 10 ou Cláusula 10ª); d) por brevidade e simplificação, também é possível o uso indiscriminado dos cardinais, quando pospostos aos respectivos substantivos em tais casos, mesmo que o número seja inferior a dez (capítulo 2, art. 7, § 2, alínea 2, seção 1, cláusula 2); e) nesse último caso, a leitura do numeral se faz no masculino (alínea dois, seção um, cláusula dois); f) ainda nesse caso, não é possível o uso do cardinal pelo ordinal, se o numeral preceder o substantivo (78º DP se lê septuagésimo oitavo distrito policial, ou distrito policial setenta e oito [subentendendo a palavra número], mas não setenta e oito distrito policial ou setenta e oito DP).

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.