Gramatigalhas

Infinitivo com auxiliar – Como flexionar?

Infinitivo com auxiliar – Como flexionar? O Professor responde a dúvida.

5/2/2020

A leitora Fátima Rubio envia a seguinte indagação ao Gramatigalhas:

"Minha dúvida diz respeito à conjugação verbal, como no caso: 'Graças a Deus, parou de chover, devendo os moradores voltar (ou voltarem) para suas casas'. Abraços."
 

1) Uma leitora diz ter dúvida quanto a usar o infinitivo em expressões como a que segue: "Graças a Deus, parou de chover, devendo os moradores voltar (ou voltarem) para suas casas".

2) Para localizar o problema, importa observar que a dúvida da leitora está na locução verbal devendo ... voltar, em que dever é o auxiliar, e voltar é o verbo principal.

3) Pois bem. Com essa premissa de fato, invoca-se uma primeira e importante regra de uso do infinitivo, segundo a qual, nas locuções verbais, "não é lícito flexionar o infinitivo" (MACHADO FILHO, 1969b, p. 705). Exs.: a) "Os magistrados não podem fazer sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (correto); b) "Os magistrados não podem fazerem sozinhos o trabalho de administrar a justiça" (errado).

4) Se não é difícil acertar a utilização do infinitivo nesses casos em que ele está diretamente ligado ao auxiliar, a questão já não é tão simples quando, entre ambos, existem outras palavras. Exs.: a) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazerem o trabalho de administrar a justiça" (errado); b) "Os magistrados não podem, sozinhos, sem a participação de todos os segmentos envolvidos, fazer o trabalho de administrar a justiça" (correto).

5) Essa possibilidade de erro também aumenta significativamente, quando, na locução verbal, o auxiliar se apresenta em forma invariável (como no gerúndio, que é exatamente a situação do caso da dúvida da leitora).

6) E, nesse campo, até dispositivos de lei acabam resvalando para o abismo dos equívocos, como se vê no seguinte caso: "O tabelião fica desobrigado de manter, em cartório, o original ou cópias autenticadas das certidões mencionadas nos incisos III e IV do art. 1º, desde que transcreva na escritura pública os elementos necessários à sua identificação, devendo, neste caso, as certidões acompanharem o traslado da escritura" (art. 2º do Decreto 93.240, de 9/11/86, que regulamentou a Lei 7.433, de 18/12/85, a qual dispôs sobre os requisitos para lavratura de escrituras públicas).

7) Um simples exercício de junção dos termos da locução verbal revela a necessidade de correção: ... devendo... acompanhar o traslado da escritura.

8) Depois de todas essas considerações, façam-se algumas observações sobre a expressão "... devendo os moradores voltar para suas casas", em reposta direta à indagação da leitora: a) a locução verbal é devendo ... voltar; b) como não é difícil perceber, o verbo auxiliar está no gerúndio (devendo); c) como é sempre o auxiliar da locução – e não o principal – que se flexiona em tais circunstâncias, o verbo voltar não sofre flexão alguma, até porque o gerúndio não é variável.

9) Confiram-se, em remate, as seguintes formas, com a verificação de sua correção ou erronia entre parênteses: a) "Os moradores devem voltar para suas casas" (correto); b) "Os moradores devem voltarem para suas casas" (errado); c) "Nós devemos voltar para nossas casas" (correto); d) "Nós devemos voltarmos para nossas casas" (errado); e) "... devendo os moradores voltar para suas casas" (correto); f) "... devendo os moradores voltarem para suas casas" (errado); g) "... devendo nós, por conseguinte, voltar para nossas casas" (correto); h) "... devendo nós, por conseguinte, voltarmos para nossas casas" (errado).

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.