Um leitor envia a seguinte dúvida ao Gramatigalhas:
"Mestre, por gentileza, gostaria que me respondesse uma pergunta: as orações subordinadas substantivas deslocadas (antes da principal, obviamente) são ou não são separadas por vírgula, do ponto de vista dos gramáticos? Pergunto isso, pois o Sacconi diz que sim. O que os grandes nomes dizem sobre isso? Nada encontrei... Dúvida cruel!!! Grande abraço de um fã seu!".
Um outro leitor, em mesmas circunstâncias, envia a seguinte questão:
"Mestre, quais orações subordinadas substantivas, quando deslocadas para antes da principal, são separadas por vírgula? Todas ou só algumas? Por exemplo, seriam obrigatórias ou facultativas estas vírgulas: 'Que ele volte, não me importa', 'Se ele vem, ainda não sei'... Conhece algum gramático tradicional que bate o martelo na questão? Obrigadão!"
1) Um leitor parte da afirmação de que as orações substantivas normalmente se separam sem vírgula da oração principal. E indaga se, quando deslocadas, isto é, quando vêm antes da principal, são ou não são separadas por vírgula. E pergunta adicionalmente se tal vírgula é obrigatória ou não. Remata questionando se os gramáticos conhecidos tocam nesse assunto.
2) Ora, a primeira regra geral de proibição de vírgula diz que, por não haver separação lógica nem ruptura de encadeamento entre termos que, pela própria estruturação da frase, estão em total dependência sintática, não será ela usada entre: a) sujeito e verbo ("O juiz proferiu uma sentença condenatória"); (b) verbo e objeto direto ("O juiz liberou o réu"); c) verbo e objeto indireto ("O réu depende da sentença"); d) verbo e predicativo do sujeito ("A sentença foi longa"); e) verbo e agente da passiva ("Uma sentença condenatória foi proferida pelo juiz"); f) adjunto adnominal e substantivo modificado ("A resposta do réu provocou indignação"; g) complemento nominal e vocábulo completado ("A resposta ao magistrado provocou indignação").
3) Por extensão da própria regra anterior, a vírgula também não será usada entre as orações principais e aquelas que exerçam as funções sintáticas de sujeito, objeto direto, objeto indireto, predicativo do sujeito e complemento nominal, exatamente as chamadas orações substantivas (assim chamadas por desempenharem uma função própria de um substantivo), as quais, desse modo, serão denominadas, respectivamente, subjetivas, objetivas diretas, objetivas indiretas, predicativas e completivas nominais.
4) Exemplifica-se para melhor entendimento: a) "É muito importante que se preserve o estado de direito" (subjetiva); b) "Os homens de bem querem que se preserve o estado de direito" (objetiva direta); c) "Todos necessitam de que se preserve o estado de direito" (objetiva indireta); d) "O desejo de todos é que se preserve o estado de direito" (predicativa); e) "Todos têm necessidade de que se preserve o estado de direito" (completiva nominal).
5) Com essas premissas e esclarecendo que os gramáticos conhecidos não tocam nesse assunto, passa-se a responder aos leitores: a) a regra de que a ordem direta dispensa a vírgula no período simples traz, como corolário, ainda no período simples, a regra de que a inversão dos termos da oração permite separação por vírgula, sobretudo quando o termo invertido é de razoável extensão ("Em reação coletiva, toda a plateia se levantou"); b) no que concerne às orações substantivas, a estruturação típica dos períodos em que elas se situam é exatamente aquela que foi delineada nos exemplos acima, a saber, oração principal + oração subordinada substantiva; c) embora raramente os casos práticos permitam, a anteposição da oração subordinada substantiva, por fugir à estruturação típica desses períodos, constituirá verdadeira inversão; d) e essa inversão poderá ser marcada pela vírgula ([i] "Que se preserve o estado de direito, é muito importante"; [ii] "Que ele volte, não me importa" [iii] "Se ele vem, ainda não sei"); e) como a inversão, nesses casos, é de significativa extensão, então a vírgula, de facultativa como regra geral, passa a ser obrigatória.
6) Apenas se tecem, por fim, embora ligeiros, oportunos comentários à observação do leitor de que os estudiosos, de um modo geral, nada falam sobre isso. É que, num primeiro aspecto, apenas a partir da década de cinquenta do século XX, a pontuação tomou significativo impulso e passou a orientar-se – além das razões sintáticas tradicionais e dos impulsos subjetivos – pelas recomendações e exigências mais apuradas da redação técnica. Isso faz concluir que os chamados clássicos de nossa literatura nem sempre lhe atribuíram posição de relevo, motivo pelo qual não é incomum encontrar, mesmo em abalizados escritores, erros de pontuação similares aos cometidos hoje por qualquer usuário médio do idioma. Por outro lado, os livros de Gramática de hoje também apresentam poucos elementos sobre o assunto por duas razões: primeira, os gramáticos de peso normalmente têm sua formação forjada na primeira metade do século XX, vale dizer, antes do despertar para esse assunto; segunda, por um abissal equívoco dos responsáveis, o ensino da Gramática deixou de ter importância significativa nos currículos de nossas escolas exatamente no começo da segunda metade do século passado, o que significa pequenos esforços, estudos e progressos nesse campo.