Gramatigalhas

Poeta

O leitor Vítor de Assis envia-nos a seguinte mensagem: "Deu no Migalhas 1.504, de 26.9.06: 'Os jornais paulistas informam que uma obra de Victor Brecheret (1894-1955), que está no cemitério do Araçá, irá para a Pinacoteca do Estado de São Paulo. A obra, intitulada 'Musa Impassível', está chantada no túmulo da poeta Francisca Júlia (1871-1920). A peça teria sido encomendada por José de Freitas Valle (1870-1958), dias após o sepultamento da poeta, cuja morte comoveu Piratininga na época. Momentos antes do féretro do marido, Francisca Julia deitou-se para descansar e foi com ele encontra-se no infinito. Tanto esquecida nos últimos tempos, ela merecia que escultura lá ficasse, guardando sua última morada, pois a falta de cultura nacional em preservar os monumentos nos cemitérios não justifica a mudança da obra. Francisca Julia já esteve neste informativo. Foi com seus lindos versos que Migalhas homenageou o mestre Goffredo Telles Jr. pelo seus 90 anos, completados em 2005 (Migalhas 1.168 - 16/5/05 - clique aqui).' Indago do Prof. José Maria: devo dizer a poeta, ou a poetisa?"

18/10/2006

O leitor Vítor de Assis envia-nos a seguinte mensagem:

"Deu no Migalhas 1.504, de 26.9.06: 'Os jornais paulistas informam que uma obra de Victor Brecheret (1894-1955), que está no cemitério do Araçá, irá para a Pinacoteca do Estado de São Paulo. A obra, intitulada 'Musa Impassível', está chantada no túmulo da poeta Francisca Júlia (1871-1920). A peça teria sido encomendada por José de Freitas Valle (1870-1958), dias após o sepultamento da poeta, cuja morte comoveu Piratininga na época. Momentos antes do féretro do marido, Francisca Julia deitou-se para descansar e foi com ele encontra-se no infinito. Tanto esquecida nos últimos tempos, ela merecia que escultura lá ficasse, guardando sua última morada, pois a falta de cultura nacional em preservar os monumentos nos cemitérios não justifica a mudança da obra. Francisca Julia já esteve neste informativo. Foi com seus lindos versos que Migalhas homenageou o mestre Goffredo Telles Jr. pelo seus 90 anos, completados em 2005 (Migalhas 1.168 - 16/5/05 - clique aqui).' Indago do Prof. José Maria: devo dizer a poeta, ou a poetisa?"

1) Como substantivo, seu feminino é poetisa,1 tendo, assim, uma forma própria para o masculino (poeta) e outra para o feminino (poetisa),2 não se admitindo seu emprego como se fosse substantivo comum-de-dois gêneros. Exs.:

a) "Ela é uma poetisa conceituada" (correto)

b) "Ela é uma poeta conceituada" (errado).

2) Veja-se, nesse sentido, que Carlos Góis e Herbert Palhano, sem quaisquer outras possibilidades, dão-lhe por feminino poetisa,3 posição essa também adotada por Luiz Antônio Sacconi.4

3) Tal informação normal do feminino (poetisa) é assim preconizada por Júlio Ribeiro.5

4) Desse mesmo entender são Júlio Nogueira,6 e Eduardo Carlos Pereira, inserindo este último tal substantivo no rol daqueles que "sofrem algumas irregularidades na flexão feminina".7

5) Cândido de Oliveira, de igual modo, apenas lhe confere por feminino poetisa.8

6) Alfredo Gomes tem igual proceder.9

7) Domingos Paschoal Cegalla – para quem "poeta aplica-se a homem", e, "para mulher usa-se poetisa" – condena com firmeza modo diverso de emprego no feminino, ao asseverar que, "por ignorância ou desprezo pela tradição da língua, há quem use poeta em vez de poetisa, como fez o autor desta frase: 'A poeta Cecília Meireles era, ao mesmo tempo, leitora e analista minuciosa da poesia de Mário de Andrade'".10

8) Vitório Bergo, sem outra personalidade, dá poetisa por feminino de tal vocábulo.11

9) Parece bastante oportuna, no caso, a observação de Arnaldo Niskier: "O feminino de poeta é poetisa, e nada há de depreciativo nesse feminino. Agora, algumas poetisas, movidas por uma incompreensão do real sentido do Movimento Feminista, pregam o uso de poeta tanto para homens quanto para mulheres. Não custa nada satisfazê-las, mas é preciso lembrar que isso não contribui para mudar a situação da mulher em nossa sociedade, e é o mesmo que dizer a homem. Esse tipo de afetação, que também se vê no Movimento Negro, quando este é contra o uso de palavras como denegrir, demonstra uma superficialidade muito patente no encaminhamento dado a lutas tão importantes".12

10) Contrariamente a esses entendimentos, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, órgão oficialmente incumbido de definir quais as palavras integrantes do nosso léxico, além de sua correta grafia, em sua edição de 1999, por um lado, dava o masculino poeta, fazendo corresponder-lhe o feminino poetisa; por outro lado, permitia que se reputasse poeta um comum-de-dois gêneros, o que implicava asseverar que o emprego de a poeta estava oficialmente autorizado entre nós.

11) Em boa hora, todavia, a quarta edição do VOLP (2004), veio corrigir o equívoco e voltou a registrar poeta apenas como substantivo masculino, conferindo-lhe por feminino tão-somente poetisa.13

12) Desse modo, assiste integral razão ao leitor: deve-se dizer "da poetisa Francisca Júlia" e "sepultamento da poetisa", e não, como constou do texto apontado, "da poeta Francisca Júlia" e "sepultamento da poeta".

____________

1Cf. BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 19. ed., segunda reimpressão. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1974. p. 84.

2Cf. CUNHA,Celso. Gramática Moderna. 2. ed. Belo Horizonte: Editora Bernardo Álvares S/A, 1970. p. 99.

3Cf. GÓIS, Carlos; PALHANO, Herbert. Gramática da Língua Portuguesa. 5 ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1963. p. 52.

4Cf. SACCONI, Luiz Antônio. Nossa Gramática. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1979. p. 32.

5Cf. RIBEIRO, Júlio. Gramática Portuguesa. 8. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1908. p. 87.

6Cf. NOGUEIRA, Júlio. O Exame de Português. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos, 1930. p. 161.

7Cf. PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática Expositiva para o Curso Superior. 15. ed. São Paulo: Monteiro Lobato & Cia., 1924. p. 68.

8Cf. OLIVEIRA, Cândido de. Revisão Gramatical. 10. ed. São Paulo: Editora Luzir, 1961. p. 130.

9Cf. GOMES, Alfredo. Gramática Portuguesa. 19. ed. Livraria Francisco Alves, 1924. p. 79.

10Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 321.

11Cf. BERGO, Vitório. Consultor de Gramática e de Estilística. Rio de Janeiro: Livraria Editora Zelio Valverde, 1943. p. 110.

12Cf. NISKIER, Arnaldo. Questões Práticas da Língua Portuguesa: 700 Respostas. Rio de Janeiro: Consultor, Assessoria de Planejamento Ltda., 1992. p. 74.

13Cf. Academia Brasileira de Letras. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. 4 ed. Rio de Janeiro: Imprinta, 2004, p. 632.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.