O leitor André Sammartino envia a seguinte dúvida ao Gramatigalhas:
"Acabei de ler seu texto sobre o hífen na nova ortografia, mas restou dúvida sobre a expressão "aplicasse-lhe", pois havia entendido que somente haveria hífen, se a segunda palavra fosse iniciada com h ou vogal idêntica à que terminasse o primeiro elemento; mas, no exemplo acima, não temos nenhum dos dois casos. Estaria errado?"
E o leitor Luiz Philippe Westin de Vasconcellos envia a seguinte dúvida:
"Gostaria de que houvesse algum comentário quanto ao uso ou não do hífen nas formas: 'Vou-lhe contar...' ou 'Vou lhe contar...' Atenciosamente."
1) Um leitor pergunta se, com as modificações trazidas pelo Acordo Ortográfico de 2008, continua existindo hífen em aplicasse-lhe. Justifica sua dúvida com o fato de que ele havia entendido que o hífen seria usado apenas se o elemento seguinte fosse iniciado por h ou por vogal idêntica à que terminasse o primeiro elemento.
2) E outro leitor indaga se há ou não hífen nas formas: a) "Vou-lhe contar..."; ou b) "Vou lhe contar..."?
3) Em realidade, a dúvida do primeiro leitor se originou do fato de que ele invocou uma observação feita para um prefixo que se antepõe a uma palavra e quis aplicá-la à junção de um pronome átono ao verbo por ele completado, o que constitui realidade totalmente diversa.
4) Explica-se. Quando se tem um prefixo terminado por vogal (contra, por exemplo), a regra é que há hífen em duas situações: a) se o elemento seguinte se inicia por h (contra-habitual); b) ou se o elemento seguinte se inicia por vogal idêntica àquela que encerra o prefixo (contra-arrazoado). Se não ocorre nenhuma das duas hipóteses, então a junção é direta, sem hífen algum (contraindicar, contracheque), dobrando-se o r ou o s por eufonia, para a continuidade do som (contrarrazões e contrassenso).
5) O caso de ambas as dúvidas ora apreciadas, porém, não concerne a prefixo, mas diz respeito à junção de um pronome pessoal oblíquo átono ao verbo por ele completado.
6) E, para esse caso, aplicam-se as seguintes ponderações: a) se o pronome átono vem antes do verbo (próclise), os vocábulos se separam sem hífen algum ("Não nos comunicaram a novidade"); b) se, porém, o pronome átono vem no meio do verbo (mesóclise), há hífen antes e depois do pronome, para ligá-lo às duas partes em que se divide o verbo ("Dir-lhe-ei toda a verdade"); c) por fim, se o pronome átono vem depois do verbo (ênclise), junta-se ele por hífen ao verbo por ele completado ("Disseram-me que você não viria").
7) É muito comum ver equívocos de emprego em tais circunstâncias, incluindo os casos em que, numa locução verbal, o pronome se encontra em ênclise ao verbo auxiliar; mas o certo é que há uma só regra: se o pronome vem em ênclise ao verbo (não importando se é auxiliar ou principal, ou mesmo não há vinculação alguma com locução verbal), é obrigatória sua conexão por meio de hífen.
8) Por essa razão, é oportuno verificar seu correto emprego (ou mesmo sua ausência) nos exemplos a seguir, dentre os quais se incluem as dúvidas trazidas pelos leitores: a) "Nessas situações, aplicasse-lhe a regra geral..."; b) "Vou-lhe contar o que estou sabendo sobre o assunto"; c) "Eu lhes estou mostrando meu trabalho"; d) "Eu estou-lhes mostrando meu trabalho"; e) "Eu estou mostrando-lhes meu trabalho"; f) "As situações estão-se desenvolvendo perpetuamente"; g) "Vou-lhe permitir sair mais cedo"; h) "Quer-me fazer o favor de sair daí?"; i) "Quer fazer-me o favor de sair daí?"; j) "Saiu, fazendo-me ameaças".