O leitor José Vinhote Costa, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, envia-nos a seguinte mensagem:
"Caro Prof. José Maria, É correto o uso do termo 'inobstante', no sentido de 'não obstante'?"
1) Apesar de seu largo uso nos meios jurídicos, com o sentido de apesar de, trata-se de palavra não dicionarizada, cuja criação é atribuída por Napoleão Mendes de Almeida à falta de amadurecimento do usuário, comparável à que deu origem a palavras que de igual modo não existem, como aliasmente, devendo, assim, ser evitada a todo custo.1
2) São corretas, porém, as expressões nada obstante e não obstante, ambas com o sentido buscado pelo referido vocábulo.
3) Observe-se que Antonio Henriques e Maria Margarida de Andrade, sem qualquer condenação, apenas asseveram tratar-se tal vocábulo de "forma encontradiça" em textos jurídicos.2
4) Após referendar a correção das expressões equivalentes não obstante e nada obstante, assim leciona Luciano Correia da Silva: "O que se tem discutido é a legitimidade do neologismo inobstante, largamente usado na linguagem forense. Nós, parece-nos que nada impede o emprego desse vocábulo, uma vez que encontra amparo no processo histórico de formação das palavras... A formação é regular e, a nosso ver, não merece censurada, exceto como uma desnecessidade em face às locuções sinônimas e irmãs: não obstante e nada obstante. O que não se deve é criar monstrengos lingüísticos, tais como: apenasmente, ad hocmente e outros, produtos da meia ciência, que as mais das vezes é pior do que a ignorância".3
5) Embora reconheça tratar-se de variante de não obstante "tida por incorreta por alguns como Napoleão Mendes de Almeida", Antonio Henriques, em lição permissiva constante de obra escrita solitariamente, anota ser "forma encontradiça na linguagem jurídica". Ex.: "Inobstante, o método tópico busca também lugares comuns..." (Tércio Sampaio Ferraz Jr.).4
6) Geraldo Amaral Arruda, por outro lado, é taxativo a seu respeito: "nenhum dicionário autoriza esse neologismo, que circula nos meios forenses a par de outras expressões de formação semelhante".
7) E aconselha tal autor o uso de expressões vernáculas já consagradas, como não obstante e nada obstante.5
8) Para espancar dúvidas acerca da impossibilidade de seu emprego, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa - veículo oficial da Academia Brasileira de Letras para apontar quais as palavras existentes em nosso léxico - em sua edição de 2004, não a registra, o que obriga a conclusão de que seu emprego não está autorizado em nosso idioma.
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1Cf. DAMIÃO, Regina Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de Português Jurídico.2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 46.
2Cf. HENRIQUES, Antonio; ANDRADE, Maria Margarida de. Dicionário de Verbos Jurídicos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 100.
3Cf. SILVA, Luciano Correia da. Manual de Linguagem Forense. 1. ed. São Paulo: EDIPRO, 1991. P. 132.
4Cf. HENRIQUES, Antonio. Prática da Linguagem Jurídica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 117.
5Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 23.