O leitor Wagner Baggio envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:
"Gostaria que o professor comentasse a tendência 'dos últimos anos' em textos em geral, principalmente jornalísticos, onde frases são iniciadas pela conjunção 'mas'. Exemplo: A prefeitura da cidade X vai assinar convênio com entidade Y para realizar tal ação. Mas os moradores continuarão dependendo da estrutura Z. Outra: Os vereadores aprovaram projeto de lei que garante mais recursos para a área de saúde. Mas não disseram de onde virá a grana. Desde os tempos de antanho aprendemos que não devemos iniciar frase com conjunção. O que aprendemos é que as conjunções servem para unir frases, coordenadas ou subordinadas. O 'mas', no caso, é uma conjunção adversativa, que tem sido usada com sentido distorcido. Espero ter sido claro."
1) Um leitor, em síntese, põe-se contra o emprego da conjunção adversativa mas no começo da frase. E pede que se comente o que reputa ser uma equivocada "tendência dos últimos anos" em textos em geral, principalmente jornalísticos, já que a conjunção deve servir para unir orações, e não iniciar frases.
2) Por conceito, "conjunção é a expressão que liga orações ou, dentro da mesma oração, palavras que tenham o mesmo valor ou função". Exs.: a) "O nascimento desiguala, mas a morte iguala a todos" (liga orações); b) "Uma velhice longa mas desonrada não enobrece" (liga termos de mesmo valor na oração).
3) Nos exemplos trazidos pelo leitor, alinhados mais abaixo, tem-se realmente uma conjunção adversativa, e isso porque ela liga orações que estão em oposição ou contraste entre si. As conjunções adversativas mais usadas são mas, porém, todavia, contudo e entretanto.
4) Já quanto à dúvida do leitor, pode-se afirmar que, se liga orações ou termos de uma mesma oração, então se aplica a regra lembrada por ele: a conjunção não inicia a frase e não é precedida de ponto. E isso pode ser observado com facilidade nos exemplos dados acima.
5) Os dois casos da consulta pertencem a essa estrutura, de modo que estão inadequados quanto à pontuação: a) "A prefeitura da cidade X vai assinar convênio com entidade Y para realizar tal ação. Mas os moradores continuarão dependendo da estrutura Z"; b) "Os vereadores aprovaram projeto de lei que garante mais recursos para a área de saúde. Mas não disseram de onde virá a grana".
6) Corrijam-se: a) "A prefeitura da cidade X vai assinar convênio com entidade Y para realizar tal ação; mas os moradores continuarão dependendo da estrutura Z"; b) "Os vereadores aprovaram projeto de lei que garante mais recursos para a área de saúde; mas não disseram de onde virá a grana".
7) Explique-se o primeiro exemplo: a) o período é composto por coordenação e subordinação; b) um primeiro segmento a ser observado se compõe das orações "A prefeitura da cidade X vai assinar convênio com entidade Y" e "para realizar tal ação"; c) nesse segmento, a primeira é a oração principal, e a segunda é uma oração subordinada adverbial final em relação à primeira; d) o segundo segmento a ser observado é "mas os moradores continuarão dependendo da estrutura Z"; e) esse segmento é formado por apenas uma oração; f) essa oração se posta em ideia de oposição ou contraste em relação ao primeiro bloco como um todo; g) então dizemos que ela é uma oração coordenada adversativa em relação ao bloco anterior e, sobretudo, em relação à oração principal de tal bloco; h) no que tange à pontuação, aplica-se a lição já referida, ou seja, as orações coordenadas costumam separar-se por vírgula; i) todavia, quando são de maior extensão, ou – como no caso – uma delas tem oração subordinada relacionada a si, de modo que a pausa se torna um pouco mais prolongada, emprega-se o ponto e vírgula; j) aplica-se ao caso a lição de Evanildo Bechara: "ponto e vírgula representa uma pausa mais forte que a vírgula".
8) Explique-se o segundo exemplo: a) o período é composto por coordenação e subordinação; b) um primeiro segmento a ser observado se compõe das orações "Os vereadores aprovaram projeto de lei" e "que garante mais recursos para a área de saúde"; c) nesse segmento, a primeira é a oração principal, e a segunda é uma oração subordinada adjetiva restritiva em relação à primeira; d) o segundo segmento a ser observado é "mas não disseram de onde virá a grana"; e) esse segmento é formado pelas orações "mas não disseram" e "de onde virá a grana"; f) nesse segmento, a primeira é a oração principal e a segunda é uma oração subordinada substantiva objetiva direta", pois desempenha a função sintática de objeto direto do verbo da oração anterior; g) a primeira das orações desse segmento – "mas não disseram" – se posta em ideia de oposição ou contraste em relação ao primeiro bloco como um todo e sobretudo em relação à oração principal dele; h) então dizemos que "mas não disseram" é uma oração coordenada adversativa em relação ao bloco anterior e, sobretudo, em relação à oração principal de tal bloco; i) feitas essas ponderações, também aqui se acrescenta, no que tange à pontuação, que as orações coordenadas costumam separar-se por vírgula; j) todavia, quando são de maior extensão, ou – como no caso – quando têm orações subordinadas relacionadas a si, de modo que a pausa é um pouco mais prolongada, emprega-se o ponto e vírgula.
9) Atendida, assim, a dúvida do leitor, caminha-se um pouco mais, para aquelas frases em que, embora começadas por mas, as estruturas não se caracterizam por oposição ou contraste de uma oração em relação a outra, de modo que não se há de falar em emprego de vírgula ou de qualquer outro sinal de pontuação. Exs.: a) "Mas como ele conseguiu dominar a rebelião?"; b) "Mas que crimes cometera ela para ser tão odiada?"
10) E se vai um pouco mais além, com um segundo exemplo: "A cidade se desenvolvera ao longo de décadas, com o esforço diuturno e conjunto de seus habitantes e dirigentes. O alvo sempre fora a busca de um bem-estar coletivo e comunitário. O progresso viera, como fruto benfazejo da luta diária de uma população consciente e ordeira. Mas tudo estava para mudar em poucos dias. A chegada dos tanques inimigos imporia medo e terror. A ordem da vida diária seria suplantada pelas determinações do inimigo. Em poucas horas, toda a conquista daqueles anos seria aniquilada".
11) O que se tem nesse trecho é o seguinte: a) há dois grandes blocos de sentido, o segundo deles iniciado por mas; b) esses blocos encontram-se em oposição e contraste entre si; c) as orações pertencentes a cada qual dos blocos formam períodos simples (de uma só oração), finalizados por pontos; d) se assim é entre tais orações, o certo é que nem a vírgula, nem um ponto e vírgula bastam para fazer a pausa e a separação entre os blocos; e) ou seja, se entre as orações de cada bloco se faz a separação por pontos, não faz sentido empregar, entre os blocos, em que a pausa é ainda maior, um sinal de pontuação menos intenso do que um ponto; f) aplica-se aqui, na prática, o ensino de Evanildo Bechara, para quem o ponto "é dos sinais o que denota maior pausa".