Gramatigalhas

Com certeza ou Certamente?

Com certeza ou Certamente? O Professor esclarece a dúvida.

4/5/2016

O leitor Paulo Tadeu Campos Ferreira envia a seguinte mensagem ao Gramatigalhas:

"Enfim, a onipresente expressão 'com certeza', que aparece em todos os meios de comunicação, dita por (quase) todo tipo de pessoa, significando concordância com alguma coisa, está correta? Não seria mais adequado o emprego da palavra 'certamente'?"

1) Um leitor indaga se é correta a expressão com certeza, tão empregada nos dias de hoje, ou se é mais adequada a palavra certamente.

2) Em termos históricos, sobre um exemplo como "Ele falava de modo humilde", podem-se fazer as seguintes considerações: a) tal frase pode ser alterada para "Ele falava de mente humilde" (em latim, mens, mentis, que significa pensamento); b) ou, então, "Ele falava de humilde mente"; c) com o passar dos tempos, a palavra mente passou a ser considerada como mero sufixo do adjetivo em tais casos1; d) e a palavra resultante dessa junção passou a ser empregada como um advérbio (humildemente).

3) No português atual, quanto à estrutura e formação, esse assunto passa pelo seguinte raciocínio: a) parte-se, de início de adjetivos como sábio, cristalino e humilde; b) flexionando-se tais adjetivos para o feminino, surgem sábia, cristalina e humilde (este último adjetivo é uniforme, ou seja, tem a mesma forma para o masculino e para o feminino); c) a esses adjetivos no feminino, acrescenta-se o sufixo mente; d) chega-se, então, aos advérbios (normalmente de modo) sabiamente, cristalinamente e humildemente.

4) De modo específico para a indagação do leitor: a) imagine-se o exemplo "Ele vai à festa com certeza"; b) essa frase equivale a dizer "Ele vai à festa de modo certo"; c) ou, ainda, "Ele vai à festa certamente"; d) todas essas expressões são igualmente corretas, e nada se pode apontar de equívoco em nenhuma delas.

5) Com essas ponderações como premissas, uma primeira observação: não se deve impingir reprovação alguma ao emprego do circunlóquio com certeza. Ele não é novidade no idioma, nem modismo. Para comprovar a realidade dessa afirmação, lembram-se aqui os versos de antiga canção da inesquecível Amália Rodrigues: "É uma casa portuguesa, com certeza! Com certeza, é uma casa portuguesa!".

6) Uma segunda observação: o fato de se constatar, atualmente, um real abuso no emprego dessa expressão, capaz de sugerir uma indicação de maior moderação na fala, não é motivo para sua condenação, como se fosse um equívoco. Já os latinos diziam que o abuso não pode impedir o uso (abusus non tollit usum), e o provérbio se aplica ao caso com perfeição.

7) Uma terceira e última observação: embora com frequência seja objeto de indagação dos leitores, afirme-se com todas as letras: não existe a grafia concerteza em nosso léxico.

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1 CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 258.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.