Gramatigalhas

Tratar-se de

Trata-se de ou Tratam-se de? O Professor responde.

12/4/2006

O leitor Alvaro Lourenço envia-nos a seguinte mensagem:

"Esta pérola do redator deveria ser objeto de esclarecimento pelo Gramatigalhas, para que não se repita. Trata-se de erros comuns como o que está presente no Migalhas de hoje (1.264 – 30/9/05 – "Exclusivo"): 'A petição, de fls 3.047/3.063, contém pérolas valiosas. Tratam-se de gostosas trocas de e-mails entre o banqueiro Edemar Cid Ferreira e vários interlocutores'."

1) Geraldo Amaral Arruda esclarece que o verbo tratar pode ter sujeito, como na frase: "O autor, nesta ação, trata de seus direitos hereditários".

2) Continua afirmando, todavia, que, em outro contexto, pode-se preferir omitir o sujeito da oração, dizendo-se: "Nesta ação, trata-se de direitos hereditários".

3) E extrai ele as seguintes ilações: "O verbo continua na voz ativa e continua a reger objeto indireto; somente desapareceu o agente, que ficou indeterminado, servindo a partícula se precisamente como índice de indeterminação do sujeito".1

4) Exatamente porque o sujeito é indeterminado com um direito ou com vários direitos, é que a flexão de tal substantivo para o plural não influi na concordância verbal:

a) "Trata-se de um direito hereditário";

b) "Trata-se de direitos hereditários".

5) Em mesmo sentido, na lição de Domingos Paschoal Cegalla, o verbo tratar concorda obrigatoriamente na terceira pessoa do singular, mesmo que o termo ou expressão seguinte esteja no plural:

a) "Trata-se de tarefas que exigem habilidade";

b)"Na verdade, tratava-se de fenômenos pouco conhecidos na época";

c) "Durante o encontro dos dois líderes políticos, tratou-se de problemas que afligem as populações pobres";

d) "Não se trata de advogados, minha senhora; trata-se de provas".2

6) Reitere-se, com Laudelino Freire, que, quando usado na terceira pessoa com o pronome se, não vai para o plural tal verbo na passiva, "ainda que o objeto no plural esteja".3

7) Assim, o plural de "Trata-se de um bom negócio" há de ser "Trata-se de bons negócios", e não "Tratam-se de bons negócios".

8) Francisco Fernandes até mesmo se refere à expressão tratar-se de, para que tal estrutura fique mais apartada das demais.4

9) E Celso Pedro Luft é ainda mais didático, para lecionar que, com esse significado, "o verbo fica sempre na terceira pessoa do singular": Trata-se de obras, Tratar-se-á de símbolos, Talvez se trate de exceções, Quando se tratar de leis.5

10) Em oportuna observação, anota Adalberto J. Kaspary, por primeiro, exemplos de uso correto do verbo tratar-se usado pronominalmente:

a) "Trata-se de meros casos de alçada policial";

b) "Trata-se de pessoas falsas, insinceras";

c) "Tratava-se de questões que fugiam à nossa competência;

d) "Talvez se trate de casos isolados";

e) "Trata-se, agora, de evitar prejuízos maiores aos condôminos".

11) Em seqüência, realça tal autor que, com o verbo tratar-se, usado pronominalmente, "são incorretas construções pessoais (com sujeito expresso)", alinhando ele próprio exemplos errôneos:

a) "A presente lide trata-se de ação possessória";

b) "É indiscutível tratarem-se de entorpecentes as substâncias supramencionadas";

c) "O autor trata-se de trabalhador rural";

d) "O caso trata-se de falsidade ideológica".

12) Por fim, manda que se corrijam tais exemplos da seguinte forma:

a) "Cuida-se, na presente lide, de ação possessória";

b) "É indiscutível serem entorpecentes as substâncias supramencionadas";

c) "O autor é trabalhador rural";

d) "O caso é de falsidade ideológica" (ou "Trata-se, no caso, de falsidade ideológica", ou "O caso constitui falsidade ideológica").6

13) De modo específico para o exemplo da consulta, veja-se o que é correto e o que é errado:

a) "Trata-se de gostosas trocas..." (correto);

b) "Tratam-se de gostosas trocas..." (errado).

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1 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 53.

2 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999. p. 400.

3 Cf. FREIRE, Laudelino. Estudos de Linguagem. Sem número de edição. Rio de Janeiro: Cia. Brasil Editora, impresso em 1937. p. 7.

4 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. reimpressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971. p. 580.

5 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 515.

6 Cf. KASPARY, Adalberto J. O Verbo na Linguagem Jurídica – Acepções e Regime. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996. p. 348.

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Colunista

José Maria da Costa é graduado em Direito, Letras e Pedagogia. Primeiro colocado no concurso de ingresso da Magistratura paulista. Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Ex-Professor de Língua Latina, de Português do Curso Anglo-Latino de São Paulo, de Linguagem Forense na Escola Paulista de Magistratura, de Direito Civil na Universidade de Ribeirão Preto e na ESA da OAB/SP. Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras Jurídicas. Sócio-fundador do escritório Abrahão Issa Neto e José Maria da Costa Sociedade de Advogados.