O leitor Alvaro Lourenço envia-nos a seguinte mensagem:
"Esta pérola do redator deveria ser objeto de esclarecimento pelo Gramatigalhas, para que não se repita. Trata-se de erros comuns como o que está presente no Migalhas de hoje (1.264 – 30/9/05 – "Exclusivo"): 'A petição, de fls 3.047/3.063, contém pérolas valiosas. Tratam-se de gostosas trocas de e-mails entre o banqueiro Edemar Cid Ferreira e vários interlocutores'."
1) Geraldo Amaral Arruda esclarece que o verbo tratar pode ter sujeito, como na frase: "O autor, nesta ação, trata de seus direitos hereditários".
2) Continua afirmando, todavia, que, em outro contexto, pode-se preferir omitir o sujeito da oração, dizendo-se: "Nesta ação, trata-se de direitos hereditários".
3) E extrai ele as seguintes ilações: "O verbo continua na voz ativa e continua a reger objeto indireto; somente desapareceu o agente, que ficou indeterminado, servindo a partícula se precisamente como índice de indeterminação do sujeito".1
4) Exatamente porque o sujeito é indeterminado com um direito ou com vários direitos, é que a flexão de tal substantivo para o plural não influi na concordância verbal:
a) "Trata-se de um direito hereditário";
b) "Trata-se de direitos hereditários".
5) Em mesmo sentido, na lição de Domingos Paschoal Cegalla, o verbo tratar concorda obrigatoriamente na terceira pessoa do singular, mesmo que o termo ou expressão seguinte esteja no plural:
a) "Trata-se de tarefas que exigem habilidade";
b)"Na verdade, tratava-se de fenômenos pouco conhecidos na época";
c) "Durante o encontro dos dois líderes políticos, tratou-se de problemas que afligem as populações pobres";
d) "Não se trata de advogados, minha senhora; trata-se de provas".2
6) Reitere-se, com Laudelino Freire, que, quando usado na terceira pessoa com o pronome se, não vai para o plural tal verbo na passiva, "ainda que o objeto no plural esteja".3
7) Assim, o plural de "Trata-se de um bom negócio" há de ser "Trata-se de bons negócios", e não "Tratam-se de bons negócios".
8) Francisco Fernandes até mesmo se refere à expressão tratar-se de, para que tal estrutura fique mais apartada das demais.4
9) E Celso Pedro Luft é ainda mais didático, para lecionar que, com esse significado, "o verbo fica sempre na terceira pessoa do singular": Trata-se de obras, Tratar-se-á de símbolos, Talvez se trate de exceções, Quando se tratar de leis.5
10) Em oportuna observação, anota Adalberto J. Kaspary, por primeiro, exemplos de uso correto do verbo tratar-se usado pronominalmente:
a) "Trata-se de meros casos de alçada policial";
b) "Trata-se de pessoas falsas, insinceras";
c) "Tratava-se de questões que fugiam à nossa competência;
d) "Talvez se trate de casos isolados";
e) "Trata-se, agora, de evitar prejuízos maiores aos condôminos".
11) Em seqüência, realça tal autor que, com o verbo tratar-se, usado pronominalmente, "são incorretas construções pessoais (com sujeito expresso)", alinhando ele próprio exemplos errôneos:
a) "A presente lide trata-se de ação possessória";
b) "É indiscutível tratarem-se de entorpecentes as substâncias supramencionadas";
c) "O autor trata-se de trabalhador rural";
d) "O caso trata-se de falsidade ideológica".
12) Por fim, manda que se corrijam tais exemplos da seguinte forma:
a) "Cuida-se, na presente lide, de ação possessória";
b) "É indiscutível serem entorpecentes as substâncias supramencionadas";
c) "O autor é trabalhador rural";
d) "O caso é de falsidade ideológica" (ou "Trata-se, no caso, de falsidade ideológica", ou "O caso constitui falsidade ideológica").6
13) De modo específico para o exemplo da consulta, veja-se o que é correto e o que é errado:
a) "Trata-se de gostosas trocas..." (correto);
b) "Tratam-se de gostosas trocas..." (errado).
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1 Cf. ARRUDA, Geraldo Amaral. A Linguagem do Juiz. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 53.
2 Cf. CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999. p. 400.
3 Cf. FREIRE, Laudelino. Estudos de Linguagem. Sem número de edição. Rio de Janeiro: Cia. Brasil Editora, impresso em 1937. p. 7.
4 Cf. FERNANDES, Francisco. Dicionário de Verbos e Regimes. 4. ed., 16. reimpressão. Porto Alegre: Editora Globo, 1971. p. 580.
5 Cf. LUFT, Celso Pedro. Dicionário Prático de Regência Verbal. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999. p. 515.
6 Cf. KASPARY, Adalberto J. O Verbo na Linguagem Jurídica – Acepções e Regime. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1996. p. 348.